domingo, 1 de setembro de 2024

Artur Gomes - O Poeta Enquanto Coisa

Fé no Evoé:

Confissões dionisíacas na poética e política de Artur Gomes 

Igor Fagundes * 

Depois das excitadas e excitantes Juras secretas, de 2018, o poeta e artista multimídia Artur Gomes volta a tornar pública sua jura de amor e fidelidade ao arcaico deus Dionísio em O poeta enquanto coisa, de 2019, incorporando as ébrias forças de Baco sob novos goles e ritos, tão poéticos quanto políticos, numa contemporaneidade que avança em lama e vertigem e, assim, exige a potência do mítico da palavra corpórea e originária. Comparece ao ethos deste livro a mesma embriaguez fulinaímica de sempre: a que toma, mediante o delírio atento frente aos passos obtusos do ser e estar das gentes, cada palavra como taça, vinho tinto e uma tinta capaz de, em contrapartida, rogar lúcida a passagem dilacerada do humano pelas páginas turvas do mundo. Que, em prefácio, ressoe agora-aqui a face mesma de assonâncias de Artur. Que em pré-faces (a da melopeia, a da fanopeia, a da logopeia) o poeta se apresente, por assim dizer, multifacetado, contaminando-nos com os tempos de seu ritmo venéreo. Que se capte, enfim, o próprio escape das imagens ímpares e afiadas pelo gume de Gomes, repetindo-se – com outros nomes e aliterações – seus deleitosos jogos de palavras em nossa fome de análise e anúncio: incorporemos, nessa prosa de abertura, a música de seus trocadilhos, a curvatura das paranomásias no retilíneo das linhas do livro: a que verte vulva em verso, Afrodite em afro-ditos de orixás em orgias com Ártemis e Hermes.

       Que o veraz poeta, para aquém do denominado moderno, para além do já clichê pós-moderno, para quem dos rótulos e taxonomias previstas pelas literárias teorias, atravessa o pós-pós de tudo e mesmo o pó da historiografia. Artur Gomes se exibe, ao revés, pré-antigo (tão dentro quanto fora do chronos) na atualidade incorrigível de uma poesia dedicada à Gaia (lê-se na dedicatória: “e a Terra/Mãe/Terra a musa eterna dos meus estados de surtos dos meus estados de sítio dos meus estados de cio”). Enquanto bebe, no tempo cronológico (“tempo de bestas”, “na caretice dos bostas”), as lutas e lutos de sua época e século (“esse país que atravesso corpo devassado em grito na cara do silêncio”), inebria-os e subverte-os no tempo imemorial da Terra para fundar o Aion sem fundo do instante-em-transe da experiência artística. Por isso, não basta citar, em cacoete analítico, os tiques nervosos que convêm à crítica (mencionar modernismos influentes, a geração beat, a poesia pop, a tropicália...) para entender sua lírica. Nem seria preciso. Soaria até repetitivo elencar, neste preâmbulo, as personagens caras a Gomes, forjando-o efeito do esbarro nelas todas, do encontro com elas, das tramas e transas com obras e corpos do passado e presente: o poeta já o faz e cumpre a coletânea como a dramaturgia de sua errância pelo imaginário e pelo inconsciente, os quais derramam sobre o copo do real e da consciência alter-egos confessos e inventados – tudo o que for líquido nos vasos sanguíneos do poeta alcooliza o poemário com o híbrido de fogo fátuo e frios fatos.

Artur Gomes – assinatura por vir, heteronímica, heteromórfica – assim apresenta em O poeta enquanto coisa suas juras não mais secretas, mas públicas, ainda púbicas, aos afetos que compõem e decompõem sua literaturavida. Seus versos são rascunhos, rasuras e ranhuras a passar a limpo os nexos e os nervos de sua fatura formal e estilística, deixando sobre a página tanto um rastro de unha quanto o esmalte dos escritos e vozes que em sua alma avultam e nos dedos instauram cutículas. 

Tais intertextos e intratextos, ou ainda, tais hipertextos insaciáveis se disseminam pela obra na mesma proporção com que se concentram em cada poema, lado a lado ou embaralhados; falseando nos rebentos líricos as certidões de batismo e, em poligamia, proliferando as certidões de casamento com as leituras/releituras de livros, bem como com o folhear de rostos amigos, ou com o riso e risco do desconhecido, não obstante o postergar de comprovantes de residência, de pátrias de origem: cada gesto, um tanto Ulisses, desmente Ítacas, deslinda labirintos (do Minotauro?) ou mesmo fios (de Ariadne?), teatralizando ad infinitum as alteridades que servem como impressão digital provisória e polimórfica para alguma identidade fluida, fragmentada, ao rés da fantasia. Mas nada disso seria possível – nenhuma conversa com livros, nenhum sexo com as líricas de um outro e de uma outra – seria concreto sem a lascívia uma vez mais dionisíaca de um cérebro em gozo sináptico, em psiké-análise, em psiké-catálise, em psiké-catábase: esta que põe no divã do poeta as divas Oxum e Afrodite atravessadas, fosse a sala do analista também um templo pagão ou uma ilha de Lesbos, de modo que Artur construa entre sua cama e seu karma de vate uma Igreja imoral/amoral do Reino de Zeus. E dos muitos Eus que exilam hóstias e comungam com o jamais fixo e intransigente credo.

      Esta, a sacralização do profano e do erótico, ou a profanação do sagrado enquanto humano, do poeta enquanto coisa (“o amor mesmo quando profano / tem muito mais de sagrado”): filho de um deus com uma mortal, Dionísio dança na recorrência da palavra “vinho” no livro, a exemplo dos versos:  aqui / a poesia pulsa / na veia / no vinho”; por vinho tinto e poesia”; ela tem sede de vinho / nas madrugadas dos bares”; “o vinho do tempo na boca”; “em nossas bocas tinto – vinho”; “beijo tua boca ainda suja / do vinho que sobrou”; “me consagro teu amante / pelos vinhedos de Baco / no ápice sagrado / da su-real pornofonia”. A embriaguez dos significantes e dos significados é a que tanto forja imagens insólitas (como a de um “céu de estanho” ou como em “ela mastiga meus ponteiros”) quanto a que costura melodias bem trabalhadas entre vogais, consoantes ( “entre paredes pedras facas de dois gumes / nos parreirais depois da lua), ratificando a inteligência verbal (a logopeia) de Artur Gomes dobrada em melopeia (música) e fanopeia (imagética). Visualidade provocada, a saber, não só pelas imagens significadas pelos significantes, mas visualidade ou imagem do próprio significante, o qual, dentro de si, dá à luz significâncias outras (“EuGênio Andrade”, “Afro-dite, “BolivariAndo”, “eletriCidade”), pois Artur Gomes – nesta “pornofonia” – é mestre na criação de neologismos (em tudo se vê uma “carNavalha”).

  Não apenas o corpo do homem, da mulher, se sensualiza e se sexualiza sob a força cósmica de Eros. É o poema mesmo que, em O poeta enquanto coisa, é corpo sensualizado, sexualizado, da mesma maneira que a cidade, o mundo, os tempos e o Tempo são Eros, vez que a palavra é pele e poro (duas palavras aliterantes e frequentes em Artur Gomes). Nessa porosidade, o poeta se entende permeável a coisas e pessoas (a pessoas já misturadas às coisas, a pessoas já coisas): “por entre poros entre pelos / minhas unhas tuas costas”. Também por isso, por essa poesia de tamanho contato, fricção, a relação com a língua se confirma erotizada e – vale dizer – tanto a língua física quanto a verbal, o que equivale a dizer que escrita e oralidade se reencontram no poeta: a sofisticação da escritura literária não perde (pelo contrário, potencializa) a dimensão primigênia do poeta como cantor, como ator na divina língua de Baco”, a qual se exalta mediante a recorrência também da palavra “boca” e da palavra “coxa”: uma é a que beija, lambe, morde e degusta; outra é a beijada, a lambida, a mordida, a degustada. Ambas em rima toante também entoam ritmos e ritos profanos-sagrados:

o poema fala do teu corpo
como se o tocasse 
o reconhecesse em cada verso
cada palavra que sai da boca 
como um canto bíblico
com louvor profano 

Nessa performance e performatividade lingual-linguística, todo signo cisma um erotismo entre o significante e o significado, sim, mas também entre página e palco, palco e praça, praça e povo, a babel dos povos e a babel das palavras: daí, tantos trocadilhos (troca-trocas, orgias, surubas...), como o da “flór do lótus” com a “flor do lácio”, o das “coxas” com as “costas”, o do “fauno” com a “flauta”, o da “alvorada” com o “alvoroço”, o da “antítese” com a “Antígona”. Eis a língua física, outrossim, a trocar com a verbal, mas sendo ao mesmo temo pelo verbal trocado, e vice-versa. Eis o poeta trocando com outros poetas ou sendo trocado por poetas outros, vestindo a roupa dos outros e tirando a sua roupa para ser outro: Federico Baudelaire, Gigi Mocidade, Bracutaia Silva, Federika Bezerra, Cristina Bezerra etc. O poeta, analista translógico da psique, troca com sua psicanalista. E o poeta se tenta analista de si mesmo, elevando o caos para a troca de seu nome Artur por timbres e assinaturas novos. Do mesmo modo, o nome dos poetas que existem, os que morreram e ainda não, os vivos hoje e sempre, vai se trocando, em rearranjos da memória (e do recriativo esquecimento). Artur Gomes troca poetas em seu corpo e, trocando com eles, entende que todos trocam entre si, a exemplo do diálogo poético de Clarice com Baudelaire. Mais ainda: o corpo do poeta troca com o corpo do poema e, consoante em “Poética”, a metalinguagem elabora um troca-troca de textos sob o mesmo título, pois o poema “Poética” se metamorfoseia em outros poemas: o tema “Poética” permanece, mas se trocando: o mesmo sendo diferente. A palavra “outro(s)” se sugere, enfim, ouro neste livro, e é nessa não indiferença ao outro, que o poético se faz ético e político. E nessa política da e pela diferença, a cidade do corpo se troca e vira o corpo da cidade. Assim, o poeta é – quando e enquanto coisa.

   No meio de tantas referências e reverências, borrões (d)e assinaturas (como as de Mário de Andrade, Drummond, Torquato Neto, Rimbaud, Mallarmé, Tanussi Cardoso, Tchello d’Barros, Jiddu Saldanha, Ronaldo Werneck, Reinaldo Valinho Alvarez, Reinaldo Jardim, deuses e deusas gregas, orixás), o “anjo torto” de Artur Gomes não sopra no livro Manoel de Barros ou James Joyce, escritores também engenhosos e que se vale de muitos ilogismos ou neologismos. Todavia, O poeta enquanto coisa não deixa, na qualidade de título de livro, de repercutir o Retrato do artista quando coisa (de Barros) e o Retrato do artista quando jovem (de Joyce).  Do mesmo modo, não havendo menção (ao menos, explícita e intencional), ao “Teatro Oficina” de José Celso Martinez Corrêa, a dimensão orgiástica da arte e a reunião – não menos sacro-promíscua – de mitos gregos e africanos, a assimilação pela cultura ocidental de outras culturas, aparece em Artur Gomes nesta, quiçá, Poesia Oficina. A relação gozosa e experimental com que a palavra se faz poema e se teatraliza faz de seus livros um grande laboratório da língua, do corpo e da cultura, com repercussões nitidamente políticas.

Se Pantanal é o corpo poético e o poema experimental, de aparente falta de lógica, lembrando o discurso infantil, no Manoel de Barros do Retrato do artista quando coisa, a urbe é o corpo prenhe de sexualidade e sensualidade em Artur Gomes, nos supostos ilogismos do discurso adulto que se vê fragmentado e devorado por Eros e Thanatos, e no qual a relação sujeito-objeto já não dá conta quando o humano se vê coisa (não mais agente ou paciente, voz ativa ou passiva: talvez, as duas ao mesmo tempo). Como no Pantanal de Barros, a linguagem de Gomes é lamacenta, cheia de líquidos e delírios: a seiva se expande e se intensifica com (ou se troca por) suor e sêmen. Lama, agora, é a cama: o mangue ou o pantaneiro é a cama de Artur onde dormem, acordam, sonham, gozam e ardem todos os corpos (humanos e não humanos) aqui já citados e dispostos nos lençóis, colchas e fronhas da página.

Por outro lado, temos na trajetória literária de James Joyce, a intertextualidade com Ulisses de Homero. Artur Gomes ouve o canto da sereia em sua cama, livro, divã, e talvez do inconsciente escute a voz de um “artista quando jovem”, vinda de Joyce. Nesta, a personagem protagonista Stephen Dedalus, aquele que será adiante o anti-herói de Ulysses, diz à sua mãe que não poderá seguir a vocação de padre. Ele descobriu uma nova e grandiosa missão em sua vida: a de criar uma nova e poderosa mitologia para o povo irlandês. O romance autobiográfico de Joyce narra a infância de Dedalus (máscara de Joyce), personagem que vai aparecer novamente em Ulysses. A vida do pequeno Dedalus é marcada pela religiosidade da mãe. Ela quer que o filho siga a carreira eclesiástica. Vários padres fazem parte da vida de Dedalus e vão moldando sua consciência. O momento de virada na vida da personagem principal se dá no momento em que ele escuta um horrível sermão feito por um padre sobre o inferno que o deixa muito impressionado. Dedalus passa a viver como um carola seguindo à risca todos os jejuns e mandamentos da igreja católica. Nesse momento, ele até se sente como um futuro padre. Com a sequência do romance, vemos o jovem Dedalus passar de uma fase religiosa para uma de sensualidade. Sente-se cada vez mais obcecado com a ideia da confissão. Ele então confessa a um padre todos os pecados sensuais que pratica. Abandona definitivamente a convocação de ser padre e passa a se interessar por ideias artísticas e estéticas. Dedalus abandona a carreira de padre mas não a fé.

 

Assim, Artur Gomes se obstina pela ideia de confissão, mas de uma confissão dionisíaca. Primeiro, fazendo suas Juras Secretas, suas confidências sensuais, sexuais, eróticas, fulinaímicas. Em suma, suas sagaranagens (há algo de Joyce em Guimarães Rosa, ou vice-versa; no Rosa que há em Artur Gomes, no sagarana dos três). Agora, em O poeta enquanto coisa, arriscando-se a abandonar todo credo político-religioso paralisante, move-se – avesso ao dogmático – no sentido de dançar o mitopoético, o dionisíaco. Daí, uma Igreja Universal do Reino Zeus faça todo sentido na cosmogonia e teogonia de Artur Gomes. Em primeiro lugar, como deboche diante de quaisquer fundamentalismos. Em segundo lugar, como denúncia do que um Reino de Deus pode roubar do político o vigor do poético, preferindo um louvor a Dionísio a um Deus que não sabe dançar, que não sabe gozar, na liturgia de uma poesia que roga

 

por um poema 
que desconcerte
entorte
desconforte
arrombe a porta
dos céus 
da tua boca

arranhe os dentes
da loba
arrebanhe os cordeiros
no pasto
e lhes ensine
a subverter
as ordens do pastor

assumo o risco
não sou demo
nem corisco 
eu sou cantor

  

Iansã é quem me lava
Oxossi é quem me leva
Ogum é quem me manda
Oxum é quem me guarda

  

eu sou o que invoca 
o que provoca 
e incorpora 
desconcentra 
desconforta 
desconstrói 
e desconcerta

 

eu sou o que interpreta representa 
o que inventa 
e desafora

 

o Anjo Torto 
graças a Zeus 
a pedra e ao Machado de Xangô

 

a Capitã do Mato Caipora 
me xinga de poeta enganador 
mal sabe ela 

que eu sou da reza 
que o homem que se preza

nunca se escraviza 
com chicote de feitor

 

  

*Igor Fagundes é poeta, ensaísta, doutor em Poética e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Autor, dentre outros, de pensamento dança (2018) e Poética na incorporação (2016). Macumbança (2020)


*

a Terra/Mãe/Terra a musa eterna dos meus estados de surtos meus estados de sítio  meus estados de cio



Afrodite

 

para a  nova Pimenta do Reino

 eu falo eu fauno eu fumo

na espuma dos mares
de Zeus ou Vulcano

nos cornos do americano

 na pele clara da gema

nas brumas de Ipanema

ou nas Dunas do Barato

na era Atenas me disse

 pra Hera nunca dissemos

em grego a deusa do amor
em romano  mamilo de Vênus

também a irmã de Helena

 que a um outro rei Prometeu provocando a ira em Menelau
quando soube que Páris sou Eu

Dioniso das festas de Baco

 do vinho dos ritos das juras

Afrodite em mim criatura

Bacante que o cosmo me deu

a puta  da ilha de Creta

mulher quando o vinho é na cama

 a que sabe beber do que ama

sem pensar no que  Cronos secreta


                     A poesia pulsa

                     para Tanussi Cardoso 

e Ademir Antônio Bacca 


aqui

a poesia pulsa

na veia

no vinho

no peito

no pulso

na pele

nos nervos

nos músculos

nos ossos


posso falar o que sinto

posso sentir o que posso


aqui

a poesia pulsa

nas coisas

nos códigos

nos signos

os significantes

os significados


aqui

a poesia pulsa

na pele da minha blusa

na íris dos olhos da minha musa

toda vez que ela me usa

nas iguarias de Bento

quando trampo mais não troco

quando troco mas não trapo


nas pipas

nos vinhedos nos arcos

nas madrugadas dos bares

sampleando  bolero in blues

rasgado  num guardanapo

o poema pra Juliana

escrito na cama do quarto

no copo de vinho

na boca de Vênus

na bola da vez da sinuca

sangrada pelo meu taco


aqui

a poesia pulsa

nos cabelos brancos da barba

nas gargalhadas de Bacca

  na divina língua de Baco


Alice

para Alice Melo Monteiro Gomes

  

A música está no bico dos pássaros

na pétala da lamparina

no caracol dos teus cabelos

no  movimento dos músculos

no m das tuas mãos

 

nada mais sagrado

do que teus olhos acesos

para me iluminar na escuridão


                    Poéticas 

 

Punk Koreano

para Jiddu Saldanha

 

hoje acordei
com uma vontade da porra
de trepar na goiabeira
talvez assim quem sabe
ela me chame de jesus
ou então me salve

dessa  terra de tanta cruz

 

ou quem sabe bacurau

até mesmo um bacuri  bacuri
para acabar  com os golpistas

desse brazyl americano

ou então ela me chame
de exu cabra da peste

cobra criada no nordeste
esse punk koreano

Atentado poético

 

a hipocrisia aqui é muita
liberdade muito pouca

com meus dentes

língua/navalha
vou rasgar a tua roupa

para esse poema bomba
       explodir na tua boca


o

obscuro objeto do desejo

 

de pedra dourada ficaram portas
janelas de entradas e saídas
a sedução de dois olhos
em minha carne proibida
nem tanto pelo o que falo
nem tanto pelo que sinto
a vodka a cereja o conhac
o abismo  o labirinto

 

de pedra dourada
ficou um café orgânico
no teu sertão encantada
numa manhã de domingo
do outro lado da trilha
com tanta veraCidade
que me esqueci da idade
e me apaixonei por tua filha

 

de pedra dourada ficaram
olhos acesos do outro lado a janela
o espelho as contas de vidro
o jogo da sedução a maravilha
os passeios nas cachoeiras
os banhos de bar o carnaval
aquela delícia louca
o batom na minha língua
o cheiro das flores do mal
meu bem-me-quer a tua boca


 

bandeira nacional

 

com palavras
sons
imagens
versos
inauguro o monumento
no planalto central

araçá azul

domingo no parque
vapor barato
mal secreto

pérola negra
construção
cabeça Gothan City
poema concreto


arte poesia teatro cinema pós poema

terra em transe tropicália grande sertão
veredas vidas secas
memórias do cárcere


parangolés
hélio oiticica
artur bispo do rosário
bacurau

seja herói seja marginal


Beatriz a Faustino

 

pudesse eu divagar pelos teus poros
bosque do teu reino entre teus pelos
mergulhar contigo o mar da fonte
atravessar da carne a pele a ponte
penetrar no orgasmo dos teus selos

 

pudesse eu cavalgar por tuas crinas
no dorso cavalar onde deflora
deixando assim então de ser menina
e me tornar mulher por toda sina
no inferno céu da tua hora


tragédia infame


 empresto minha voz aos deserdados os desnutridos

os que não tem pela manhã café com pão

e sobre a mesa no almoço nem mesa

nem carne seca com farinha


espinha de peixe na garganta

é o que sobrou pra curuminha

 

empresto meu corpo minha voz

a esses personagens

os que tem sede  os que tem  fome

ou os que morrem assassinados


nos guetos  nos campos nas cidades

por balas de fuzil  está fudido o brasil

entregue as traças então me resta

exterminar o nome o sobrenome o apelido

do causador dessa desgraça

 


ancestral

 

há muito tempo não recebo

cartas de ninguém

mas não rezo padre nossos

simplesmente para dizer amém


já fui católico rezei terços ladainhas

acompanhei a procissão dos afogados

na Tapera

para soletrar a palavra Cacomanga

e entender que o barro da cerâmica

trago grudado na minha íris retina


meu batismo de fogo

 foi numa Santa Cecília

entre víboras e serpentes


mordi a hóstia do padre

sua saia preta me levou ao pânico

de sonhar com  juízes

e hoje saber o que são


minha África

são os olhos negros

de Madame Satã

na língua tenho uma sede felina

na carne essa  fome pagã

sou um homem comum

filho de Ogum com Iansã


Dani-se morreale

 

se ela me pisar nos calos
me cumer o fígado
me botar de quatro
assim como cavalo
galopar meus pelos
devorar as vértebras


Dani-se

 se ela me vier de unhas

me lascar os dentes
até sangrar o sexo
me enfiar a faca
apunhalar meus olhos
perfurar meus dedos


Dani-se

 se o amor for bruto

até mesmo sádico
neste instante lírico
se comédia ou trágico
quero estar no ato
e Dani-se o fato
deste sangue quente
em tua boca dos infernos
deixa queimar os ossos
e explodir os nossos
poemas físicos pós modernos


 

Dionisíaca

 

hoje é domingo
de Hera me vingo
com minha sarcástica ironia


fisto-me de Dionísio
nessa festa pras Bacantes

me consagro teu amante
pelos vinhedos de Baco 
no ápice sagrado

da  su-real pornofonia


entre os lençóis

 

o outubro 
me deixou no tudo nada 
a luz branca sem sono
em nossos corpos de abandono

ela arquitetava uma nesga
entre as frestas da janela
luz do luar nos olhos dela
girassóis em desmantelos
por entre poros entre pelos
minhas unhas tuas costas 
Amsterdã nos teus cabelos 

o que Van Gog me trazia
era branca noite de outono
que amanheceu sem ver o dia 
nossos corpos estavam banhados
                    de vinho tinto e poesia

fonética das cores

 3 dentadas no pão e a faca suja de manteiga entreguei-me ao desejo de olhar o corpo do poema nu ainda virgem deitado sobre a grama no quintal do casario no cafezal rolava um blues vestido de algodão branca flor entre as sílabas tônicas e a fonética das cores entre o vão das coxas brancas de alfazema sopravam ventos de alecrim



 poema atávico

 

e se a gente se amasse uma vez só
a tarde ainda arde primavera tanta
nesse outubro quanto
de manhãs tão cinzas

 

nesse momento em Bento Gonçalves
Mauri Menegotto termina
de lapidar mais uma pedra 
tem seus olhos no brilho da escultura

 

confesso tenho andado meio triste
na geografia da distância
esse poema atávico tem

a cor da tua pele
a carne sob os lençóis

 onde meus dedos
ainda não nasceram

 

algum deus anda me pregando peças

num lance de dados mallarmaicos

comovido
ainda te procuro em palavras aramaicas 
e a pele dos meus olhos anda perdida
em teu vestido


 agora

 

agora
que tenho entre as pernas
os seus
dados coloridos
acho divertido
o amor o sexo
quando brincamos
de cobra cega
durante o coito
matinal

lindo é acordar e gozar
todas manhãs
com teu impulso
dentro
e o mar ser logo ali
na lua
quando estamos sob os lençóis
nessa cama de madeira
que meu avô
construiu sem pensar
para que ela serviria

gargaú

 

aqui signos
não casam com significados
cada um segue sua trilha
cada um segue seu atalho

 

eita povo pacato pra caralho
assombro sobe em minha telha

e
com a língua/navalha carNAvalho


                                      

         poética

 

amoras

ame-as : ou devoras

clarice mora no silêncio
vive em entre/linhas
fala monossílabas
quando toca as entre/minhas

come as juras secretas
como fossem chocolates
morde o líquido das delícias 
ao entrar em sintonia
em cada letra que namora

clarice

a mulher que come livros
isadora a mulher que me devora


zeus me disse

 

o poema fala do teu corpo
como se o tocasse 
o reconhecesse em cada verso
cada palavra que sai da boca 
como um canto bíblico
com  louvor profano 


no poema o corpo não tem panos
que lhe escondam a pele
é um peixe que flutua em águas calmas
um pássaro que atravessa nuvens cinzas
um barco em alto mar de tempestades

 

a mulher do imaginário em fantasia
é o poeta que se transmuta em poesia


ind/gesta

uma caneta

pelo amor de deus
uma máquina de escrever
uma câmera por favor
quero um computador
nem que seja pós moderno

vamos fazer um filme
vamos criar um filho
deixa eu amar a lídia
que a mediocridade
desta idade mídia
não coca cola mais
nem aqui nem no inferno


inventário

 

come vento menina
come vento
não há mais metafísica no mundo 
do que comer vento


tem de todos os sabores
amargo meio/amargo
chocolate de  café
sabe como é


em meio a tanta crise 
a gente inventa o vento que se quer

 


tempo poético

 o tempo

é o senhor
dos meus ponteiros de músculos
relógio oculto no in/cons/ciente

o tempo
nos olhos daquela viagem
a paisagem 
caminho de pedras 
o cenário
vale dos vinhedos

o tempo
guardo em segredo
como uma jura secreta
na íris dos olhos dela
na face oculta da noite
na retidão clara do dia
como um concha na areia

o tempo

mar de espumas
sargaço algas noturnas 
a carne do corpo também 
o vinho do tempo na boca
e a língua dizendo amém


                             todo Dia é Dia D

 

furai
a pele das partículas dos poemas
viemos das gerações neoabstratas
assistindo a belos filmes de godart
inertes em películas de truffaut
bebendo apocalipses de fellini
em tropicâncer genocidas de terror

 

sangrai a tela realista dos cinemas
na pele experimental do caos urbano

tragai
dali pele entre/ossos
glauber rugindo entridentes
na língua do veneno o gozo das serpentes
nos frascos insensíveis de isopor

 

caímos no poder do vil orgânico
entramos no curral dos artefatos
na porta de entrada os artifícios
na jaula sem saída os mesmos pratos



 desconfiguração do corpo

 

os estilhaços do corpo 
estão espalhados
nas cidades

:

pernas aqui

braços ali 
cabeças acolá

na total desconfiguração

:

- cabeça/tronco/membros

 

as cidades estão entupidas

de fragmentos de populações
destroçadas em desespero

 

a crueldade é tanta
que dificilmente em qualquer cidade
se encontra um ser humano por  inteiro

língua

 

minha língua

é safada

nua e crua

não gasta palavra a toa

não canta palavra gasta

nem é fado de lisboa

 

é

blues rasgado

pedra de toque

samba rock

plug ligado

no navio ou na canoa

bebe do rio

e de sampa

nos demônios da garoa

 

fio desencapado

tensãoeletricidade

tesãocanibalidade

na voracidade da pessoa 


            lavra da palavra quero

 

re-invento a palavra cláudia
na lavra que ela mais gosta
pode ser que seja vento
jogo brisa tempestade
dama de espada do fogo

 

re-invento a palavra lobo
muito mais que liberdade
amor desejo saudade
onde quer que lá esteja
a palavra que deseja
onde eu mais possa criar

 

re-invento a palavra pedra
xangô oxum na mesma água
se alimentando das algas
que re-inventamos no mar


mamãe coragem

 

numa canção do lenine
o peixe está na rede
o mar está com sede
o rio agora chora

 

onde esta cidade pedra
veracidade medra
eu te esfinjo drama

 

onde a ferocidade fedra
eu te desejo deda
eu te devoro dama

 

pensando a trama torquato
eu disse mamãe coragem
a vida é sagaranagem

na elegia da hora
fulinaíma é viagem

te levo na minha bagagem
não chora mamãe não chora

met/áfora 2

 

não me verás lugar algum enquanto os dentes não forem postos e na mesa tenha espaço para todos. esse país que atravesso corpo devassado em grito na cara do silêncio na boca dos escravizados eu que venho das profundezas desse tempo escuro onde as caras soterradas no asfalto onde os homens de verde/oliva despejavam chumbo sobre nossas palavras. não me verás lugar algum o rosto que em mim verás agora é uma máscara que o tempo se encarregou de moldurar sobre o pescoço.


 

moinhos de vento

 

por tanto tempo
por tanta escrita
por tanta carta
sem respostas
nossos moinhos de vento
muito além da mesa posta

 

ainda trago em mim
tuas mãos
tuas coxas
tuas costas

 

a tua língua
entre os dentes
em ex-camas que não tivemos
em madrugadas expostas

 

e tua fome era tanta
em tudo o que não fizemos
nesse teu corpo de santa
naquele tempo de bestas
na caretice de bostas

 

 

antropomágica

 

a primeira vez

foi um primeiro beijo então roubado

ali já ficou sacramentado em tropicália

o que iríamos desvendar

por entre cinzas nos currais

nas aldeias, ocas, nas taperas

por quantas Eras iríamos encontrar

 

agora como  pa/lavro outras amoras

plantei tuas sementes

no quintal da estação três cinco três

os frutos colherei junto ao teu nome

da tua carne comerei mais uma vez  



no coração dos boatos

para Uilcon Pereira - in memória

 

biútim evaristim evaristoa passava sem querer pelos telhados assombradados in braziLírica com seu minúsculo gravadorzinho de bolso quando percebeu no jaburu um vozerio estranho como um escárnio ao povo de bizâncio, o vampiro das planilhas dialogava azedamente com o bandido das neves, combinando os pagamentos das operações ocultas, obras invisíveis lá pelos quebra mares do porto de santos.

 depois de captar todas as falas, vozes, de mais alguns fantasmas presentes no palácio, biútim entregou seu gravadorzinho aos delegados do presídio de absinto e como nunca teve a ilusão que o seu trabalho fosse resultar em  alguma coisa sua gravação foi arquivada, e o seu gravadorzinho foi queimado pelos bispos/pastores/deputados/senadores  da igreja universal, para constatação da invasão neo-pentecostal pelos telhados braziLíricos, onde tudo termina na avenida nos enredos su-reais do carnaval


nu – literalmente - nu

 

afio ainda mais
a palavra/faca
sílaba/estilete
pornofonia/gilete
poema/navalha
tonicidade/canivete

 

tudo arma branca
subversão bandida
malandragem

mallarmagem
da mão esquerda e torta
para cortar o mofo que viceja
em cada voragem morta

 

vez em quando
re-inventosagaranas
fulinaímicas/linguagem
toco fogo na mortalha
sem metáfora ou retreta
dispo as fardas/literagens
fico nu ao pé da letra


             o fauno e a flauta

para daniela pace pela imagem musa

 

o fauno lê baudelaire
do outro lado da trama
enquanto dorme a donzela
com uma rosa entre as coxas

 

o fauno traça o poema
na geografia do corpo
atravessa o vértice do tempo
com o seu falo flamando  chamas
por não ter  juízo algum

 

com sua flauta ele  toca
pétala por pétala
a porta de entrada
o portal do paraíso

sem pensar pudor nenhum


o lugar da memória 
ou metalírica antropofágica

 

em são pedro de alcântara
não foram apenas os nomes
entre os casarões coloniais
do século dezenove
que movem as pedras

carcomidas do cais

na sala do bistrô 
ela me matou a fome
feijão tropeiro no prato
no prato feijão tropeiro 

a língua no espírito santo

experimenta a pimenta

pimenta do espírito santo

na língua novo tempero

 

mágica metáfora

fábula primeira
pavio de lamparina

faíscas claras na gema
entre os pelos daquela mina
o fogo o meta/poema
vai queimar a carne inteira

 

o nome da musa

 

no corpo da palavra
teu nome está cravado
nos dentes da memória

na carne grafitei teus dias 
porque  vida é qualquer hora


             o poeta enquanto coisa

 

por um poema 
que desconcerte
entorte
desconforte
arrombe a porta
dos céus 
da tua boca

arranhe os dentes
da loba
arrebanhe os cordeiros
no pasto
e lhes ensine
a subverter
as ordens do pastor

assumo o risco
não sou  demo
nem corisco 
eu sou cantor

o poeta enquanto coisa 1

 

bashô 
um TorQuato aqui
re-encarnou

toda viagem de volta
transpoema
que o vento não levou


 

tua lã fosse meu linho

 

fosse clarice

uma mulher aos trinta

em tudo que ainda sint(r)a

como um mar pulsando ostras

 

beijaria o sal nas tuas  coxas

entre deuses céus infernos

fosse sagrado – não profano

nossos desejos mais e-ternos

 

fosse nu – corpo sem panos

como o vento nos vinhedos

em teus cabelos – desalinhos

os teus poros nos  meus dedos

tua lã fosse meu linho

tua língua entre meus dentes

em nossas bocas tinto – vinho 


 

olho gótico TVendo

 

a cidade se concreta
a cidade se abstrata
o poeta então retrata

 

com um olho em quem te ama
o outro em quem mal trata


brazílica

para Lília Diniz

 

goiáis cerrado bordado
vestido de coralina
as vezes me deixa encantado
outras vezes me alucina
me transforma em leopardo
nas garras dessa felina

 

piqui fruto do mato
olho de boi visgo de jaca
jaraguájaquatirica
ceilândia olho de vaca
taguatinga em meu retrato
onça em mim significa

 

sabor de carne mordida
lambida até o caroço
na boca da bia morena
planaltina ou plano piloto 
que mora na carne/poema
das minas do lago norte 

 

na flor medula no osso
sem alarde euforia
alvorada ou alvoroço


o corpo da palavra corpo

 

o seu corpo/poema
pede-me silêncio
ou algazarra?


farra
de bocas pernas coxas
línguas e dedos
nos recantos mais profundos
por onde dorme o teu desejo?


carícias delicadas
pela nuca
em torno da orelha
lábios deslizando
ao redor do teu umbigo


o que o seu corpo/poema
quer viver comigo?


o seu corpo/poema
no deserto das delícias
é escorpião ou percevejo?

 

é calmaria
ou tempestade
no alto mar da liberdade
pede-me noite ou claridade
é  só amor ou desejo
e

 implora-me

desesperadamente
os mais selvagens beijos?


 

 

 

fulinaimânica

 

a parede
é arame farpado
a carne presa
não é cavalo alado
nem asa
de anjo su-realista

 

a casa
sangra e angra
era mar azul
sob céus de chumbo
mais ou menos 
concretista

 

dobraduras de papel
não são miragens
os dedos ágeis
modelavam sombras

angra dentro da bomba
             na usina nuclear


         eu quero mais a carNAvalha

 

me encanta mais teus olhos
que o plano piloto de brasília
o palácio do planalto o alvorada

me encanta mais

as mãos da namorada
que a bandeira do brasil
o céu de anil a tropicalha

quero muito mais a carNAvalha
que a palavra açucarada
quero a palavra sal

o suor da carne bruta
a flor de lótus o cio da fruta
mesmo quando for somente espinho

me encanta os pés que a lata chuta
por entender que a vida é luta
para abrir novos caminhos

me encanta mais na lama o lírio
a flor do lácio
os olhos da minha filha
que o ouro dessas quadrilhas
que habitam esses palácios


*


 antes que se assuste

com o mínimo reajuste

nas contas do teu salário

te digo nobre operário

 

3 podres poderes prestam serviços

a banqueiros empresários salafrários

de forma vil cruel - injusta

defendem sempre a própria causa

como fosse justa causa

como fosse causa justa


poéticas secretas

*

poética 1

para carolina barbato

 

tua voz ecoa

marulha um mar

de um outro cais

e vens em ondas

solos de cristais

acordando algas

cavalos marinhos

peixes abissais

 

rouca  elétrica

essa garganta lírica

de vocais intensos

quando teu ser eu penso

como  um som atávico

de milhões de Eras

nas línguas  da história

que os meus ouvidos híbridos

ainda ouvem  na memória


poética 2

 

o meu amor é um relâmpago
um coice nas trovoadas
caldeirão de raios elétricos
em noites de singapura

algumas noites é ana
nas madrugadas é vera
na cama somos bacantes
mil giga bytes um tera 
muito mais que tri amantes 
no plug me acelera

arranca do chão os meus pés
me lança na atmosfera 
ela - a louca de espanha
medusa da inglaterra
meu corpo tua quimera 

enterra suas sete cabeças
enquanto me diz - espera 
me morde me lambe - me lanha
com suas unhas de Hera


poética 3

 

fosse alana 
clara clarice ana 
angélica isadora nathalia beatriz 
a voz calada na fala 
em tudo que não me disse
em tudo o que não me quis

 

fossem girassóis nos cabelos
o vinho num tal chafariz 
suor escorrendo em teus pelos
na flor que van gog me diz
teus olhos cravados no espelho
o poema que ainda não fiz

poética 4

 

cavalga cavala

com teu dorso no horizonte

ventania

 

as crinas soltas ao tempo

por onde voas cosmogônica

por onde velas calmaria

pássara de 7 patas

pisa teu corpo no vento

nas metáforas dalquimia

 

vênus eros na estrada

a velocidade do fogo

vestida de nua in/plumas

felina aranha nas pedras

com suas entranhas de mar

com tuas línguas de raio

por essas tarde desmaio

flor -  em teus cios plantar 


poética 5

 

a
solidão extravasa 
o silêncio 
em altas doses de tensão
quando me calo
ou falo 
entre sílabas
nas entre linhas
do poema 
no teatro
ou no cinema 


palavra/som

palavra/gesto 
e o resto da metáfora
na mínima pausa

quando só
me deito em folhas
de papel para escrever

o que agora re-invento

assim esc(r)avo
e assim escrevo
com o de dentro
e o de fora

com o de fora

engenho  dentro


                                   poética 6

 

teus  olhos

velam mistérios

teus olhos

guardam segredos

um mar de verde/amarelo

 

azul de um tempo abstrato

tempo de chumbo tenho medo

branco na íris retina

teu agro negócio asiático

teus olhos

serpentes da china

assassinos daquela menina

com teu veneno enigmático 


poética 7

 

enquanto você pensa intensifico na voragem a vertigem que me dá quando você não diz o fio esticado entre um espaço e outro do corpo na distância geográfica me faz pensar a estrada que me levará até onde ainda quero estar  enquanto você pensa deliro piro desfaço qualquer sentido de razão que ainda poderia existir em alguma sã consciência já pensei algumas vezes um projeto de psicanálise popular – um divã em cada esquina – pode me chamar de louco maluco pirado clarice me ensinou a não ter limites de estados ultrapassar fronteiras da insensatez e deixar a razão para os sensatos


poética 8

 

o que isadora me diz

quando musa em meu poema

apenas lê em silêncio muda

 

ou se transnuda em sua casa

e  devora os preponemas

 

como um pássaro cria asas

e sobrevoa minha carne

no  litoral de ipanema


poética 9

 

no silêncio do quarto
beijo tua boca ainda suja
do vinho que sobrou
depois da trama

o relógio na parede marca
a hora que entramos

na cama do hotel
só cabem nossos corpos
dentro do poema 

afrodite ainda tonta
sai da  trama e segue pro cinema


poética 10

 

nem todo segredo é secreto
nem todo segredo é guardado

o corpo mesmo dentro dos panos
no espelho é revelado 

 amor mesmo quando profano
tem muito mais de sagrado

poética 11

 

quanto mais me fragmento
muito mais me multiplico
nos múltiplos sentidos 
para alcançar-te pluma plena
no corpo da metáfora
onde meu corpo  é ágora 
nu  teu colo preso
toda carne queima em brasa
           no nosso  poema aceso

poética 12

 

o poeta enquanto coisa
desliga as luzes do quarto
deita no chão da sala

na fala dos seus guardados

a musa  pelos telhados
voa  em algum balão
como fogos de artifícios

em versos de lua cheia
em cordéis  de são joão


poética 13

 

o que tem essa mulher que me delira
o que tem essa mulher que me deleita
o que tem essa mulher que me provoca
o que tem essa mulher que me estreita
o que tem essa mulher que me espreita

o que tem essa mulher que me transporta
leoa na selva que me caça
ou uma grande mulher quando me toca


poética 14

 

tua blusa de seda
entre meus dentes
o nó se desfez depois do vinho

sob as folhas dos parreirais
vale - os vinhedos 
quantas vezes eros
eletrizou os nossos dedos?


poética 15

 

antítese/antígona 
ou seja lá que nome for 
ou o que quer que seja

 

o preto no azul
o azul no preto

hipotenusa no cateto
cateto na hipotenusa

e os dedos da minha musa
sa(n)grado entre  meus dedos


 

poética 16

 

clarice

em tudo que ainda não disse
em tudo o que ainda disser
nas páginas de um livro branco
quando  come um  chocolate

ou livro que ela quiser

 

quem sabe vento de maio

no ímã do para-raio
flores do mal desfolhasse
nas pétalas do bem-me-quer
no carnaval  quarta-feira
clarice a porta/bandeira
do mestre/sala federico baudelaire


poética 17

 

a chuva ácida desce entre os relâmpagos  rasteja um verme sobre o chão de fósseis os faróis do caos me anunciando tempos onde os templos corroídos se desabam sob os céus cinzentos barcos movimentos não encontram cais nesse mar de Eras para o nunca mais


poética 18

para jiddu saldanha

 

os gumes da minha faca
ainda estão  a bem afiados
quando furam sangra
             rasgam o pano

não é fake nem funk
       
é um punk koreano


poética 19

 

eu sou a língua da faca
eu sou os gumes da pedra

eu sou o filho da puta

iansã é quem me lava
oxossi é quem me leva
ogum é quem me manda
oxum é quem me guarda

iemanjá que me resguarda
xangô é quem me guia
sou o diabo giramundo
               por justiça e poesia


poética20

 

sagaranicamente
eu te provoco
toco teu corpo 
com meus dedos 
mordo tua carne
com meus dentes

 

sagarinicamente
com meus olhos de lince 
poeta é o quanto  devoro 
e oro para são jorge 
em seu cavalo andaluz 

enquanto na vitrola rola um reggae
nos lençóis da cama rasgo um blues


poética 21

 

ela me espora
explora o corpo nu
agora e sempre
lambe a pele das palavras
lavras
do meu ser em pelo

em arcozelo
vi teu olho azul
de mar
oceano entrando
gasômetro
cais do porto
no meu corpo dentro
todo barco em movimento

 

o  fato
que descortina
a sina
de amar-te em parte
pela arte
de saber-te musa
que me usa
em febre
pele músculos pela noite
nossa


 o que quer 

que eu possa

quando o corpo clama
toda água ou sangue

 

pelo sal do mangue
mesmo em santa ceia
quando a carne chama
tudo está na veia

 

poética 22

 

não que eu não queira o que pensa
do que  falo - no tempo da memória
agora o que me chegou veio no cosmo
micro processador de vento
creio - não invento

 

agora o que me fala no meu diafragma
o magma desse solo tem fermento
não como do engenho da rainha 
nem piso em outro solo nesse chão 
na roda do tempo - cata-vento 
o trigo da farinha ainda é massa 

pro  meu pão


 

poética 23

 

vi  seu coelho no colo

escrevi este poema solo

comendo uma tarde de música

meu olho em teus lábios na lírica

a língua no paladar dédala um

 

bebi dois copos de rum

falamos de deuses e mares

em códigos e signos estelares

em verdes folhas de oxossi

entregue-me aos desígnios de ogum


poética 24

para lucia muniz de sousa

 

naquela manhã de sol em ubatuba
lambi o ácido que caiu depois da chuva

cheirei resíduos da resina  em caraguá

e a toxina que entranhou naquela uva

caiu da lágrima que bebi do teu olhar 


carnaval em iriri

  

euGênio mallarmè

veio na arca de noé

pelo mar de  guarapari

despiu seus cornos gigantes

no instante do lança chamas

irina vê e me chama

olha a rúbia querubim

vestida de de minisaia

quem sabe tomara que caia

no rio itapemerim

em noites de ouro preto

no colo do serAfim


poética 25
para salgado maranhão

 

a cor da tua palavra me conforta
porta que se abre pra beleza absoluta
a vida que tivemos na matéria bruta
a sorte de nascer dentro do norte
na   felina selvageria da pantera

 

o sal que temperou as nossas eras

na pele do  tempero ruptura em cada corte

e ao mesmo tempo é voz que predestina
que o  poeta  não vai morrer antes da morte

poética 26

 

viajo para muito além do  corpo
onde habito no buraco

mais pro  fundo 
dos sentidos abstratos

no abstrato  um samurai
onde o concreto nem de longe 
significa o quântico
 do amor que ainda trai


poética 27
para ronaldo werneck

 

foto grafias
foto gramas
pomba rio
pomba minas
rio prece
rio drama
minas tomba

esquadro poema pátrio
partido país penetrado
por quem descobriu a pólvora
pavio explodindo  chamas

paiol nas colchas das camas

de um país esfarrapado


poética 28

funk dance funk

para sebastião nunes

 

a noite inteira invento Joplin na fagulha
jorrando Cocker na fornalha
funkrEreção fel fala
fábio parada de lucas é logo ali
trilhando os trilhos centrais do braZil.

 

rajadas de sons cortando os ínfimos
poemas sonoros foram feitos para os íntimos
conkretude versus conkrEreção
relâmpagos no coice do coração.

 

quando ela canta Eleonora de Lennon
lilibay sequestra a banda no castelo de areia
quando ela toca o esqueleto de lorca
salta do som em movimento enquanto houver
e federika ensaia o passo que aprendeu com mallarmè

 

punkrEreção pancada 
onde estão nossos negrumes?
nunkrEreçãonegróide nada.

 

 descubro o irado tião nunes

para o banquete desta zorra
e vou buscar em madureira
a Fina Flor do Pau Pereira.

 

antes que barro vire borra
antes que festa vire forra
antes que marte vire morra
antes que esperma vire porra


ó baby a vida é gume
ó mather a vida é lume
ó lady a vida é life!



poética 29

 

aqui  fisiologia não rola

 

nem coca 
nem cola 
nem bala 

nem bola

 

não ponho mordaça na escola
nem coca cola na pia

não vivo pedindo esmola

não vivo de fantasia

 

fisiologia aqui não cola

o que rola aqui é poesia


poética 30

 

irina quem diria
a sua pele grafia
em minha íris retina
come   algas cristalinas

no brumal da maresia
no mar de amaralina
em salvador da bahia


 poética 31

 

qual o filme
que não passou
na minha infância
que não vi?

 

em cada instância que vivi
contém cenas cinematográficas
paixão atávica - pedra dourada
ainda te sinto agora

 

não me completo
sem essas imagens
que carrego impregnadas
nas entranhas
por onde quer que vim

por onde quer que eu vá

 

levo-te cacomanga
como um moleque
que ainda pula cercas
para roubar as frutas

que chupei em teu pomar



poética 32

braXília
para nicholas behr

 e noélia ribeiro

 

como pode ser assim
tão enquadrada
eixo por eixo
quadra a quadra
com as linhas abstratas
na argamassa do concreto

como pode ser também 
tão feminina
mesmo não sendo mais menina
musa assim por tantos anos
na arquitetura se completa
e continua, nunca finda
no imaginário   do poeta


poética 33

 

olha aqui preste atenção
eu não sou cão
mais inda ladro mordo
mastigo trituro até sangrar

 

vivo entre o deboche
o sarcasmo o escárnio a ironia
balbúrdia na devoração

 

quando passo em casemiro de abreu
me bate no peito uma barra de são joão
a prainha o cemitério
o amor o sexo a maresia

 

essa vertigem onde mora
as minhas vãs filosofias


poética 34

 

agora que essa paulista

dorme em minha cama de ferro

mordendo meu calcanhar

com suas unhas de concreto

 

dou um tapa na angélica

ouço tom zé dentro do carro

tiro um sarro na augusta

 

nesta noite tropicana

em carNAvalha antecipada

para mim o que é que custa

beber da lira paulistana

ou devorar  a paulicea desvairada? 


poética 35

 

não tenho o que dizer 
de quem não  diz
amor uma palavra gasta 

pra ser feliz

preciso muito pouco

e que assim seja
uma cerveja

 

re-ler poeta louco
           já me basta


 

poética 36

 

naquele mar de música
toda meta física
pela tarde quântica
comunhão e prece
no sentido oculto
dos teus olhos raros

 

onde o poema tece
em teus seios claros

o amor bem  vindo

à flor da pele lumiar

 

e a correnteza tudo leva

o sal na pele tudo lava

e se a carga pesa

o banho descarrega
na gira de ogum à  beira-mar 


poética 37

 

fosse o amor não apenas

essa faca de dois gumes

carnavalha  vaga-lumes

beijo de uma deusa morta

não poema em linha reta

apontando a linha torta

 

fosse o amor não apenas

esse  poema/punho  ereto

numa estrada semi/morta

não seria eu  poeta louc0

a destilar baba saliva

onde o absinto é  muito pouco

para a carne crua sempre  viva

que se esconde atrás da porta 


poética 38

 

enquanto escavo a seiva
entre o vão das suas coxas 
para desfrutar do teu cio
e santificar o nosso  ócio

a selva amazônica perde 
mais 200 mil hectares de mata virgem
para as moto serras assassinas
desse venal agro negócio


poética 39

 

a metafísica da metáfora
está entre dois corpos 
que se tocam na distância 

 

e vão ficando

como num encontro corpo a corpo
mesmo num mesmo lugar 
os dois corpos não estando


poética 40

 

este poema te segue

te vigia

te espreita

em cada palavra

cada letra

cada sílaba

o fonema a metáfora

 

percorrem a pele do teu corpo

como fossem minhas mãos

boca dedos língua unhas

 

e te entregas ao poema

em santíssima comunhão

porque  estás  já dentro dele

sem ter  como dizer  não 


poética 41

 

ela me desafia
me envia a língua
por entre minhas cochas

 

me lambe
me morde

me come
me chupa

 

eu desfruto o gozo
no meu corpo amazônico
sem dor sem medo sem ais

meu corpo pasto
para todos os animais


poética 42

 

enquanto coloco este poema
em teu e-mail por inteiro
o congresso nacional
arquiteta mais uma conspiração 
contra o povo brasileiro


poética 43

 

a percepção acho que é um dom uma descoberta um pássaro que pousa em nossa cabeça e nos atira aos fios elétricos do corpo  liberdade vem de dentro do motor  dos músculos os ponteiros que só se movem quando querem o repouso absoluto é uma forma de silêncio não vejo muita graça em ser sozinho solidão as vezes faz bem noutras assusta mas sou tenho um amor que ainda não me diz abertamente do diamante que mora dentro dele mas toco a música dela tem itálias e palavrões as vezes quando me pergunto onde vou nem sempre tem resposta  aliás respostas é o que menos tenho encontrado para as 25 mil perguntas paradas no ar  o rascunho dos meus primeiros dias ficou esquecido numa tipografia do tempo emoldurado na tinta                                                que mudou de cor


 

poética 44

 

na pedra do sossego
eu me abstenho

na pedra do sossego
eu me abstrato

na argamassa dos teus olhos
me preservo

 

na pele dos teus dedos

meu barato

nos mamilos dos teus seios
me concreto

no cio do teu corpo
 
eu me retrato


                          poética 45

 

a tessitura da palavra perda
me provoca sobressalto

atiro a pele para o alto
e salto para o abismo do poema


poética 46

 

cato cacos de vidros
nos azuis lâminas
de fogo nesse olho d'água
algas de pedras nesse tempo ostras
antes das horas que o dia tarda
e os tiranos cessem seu torpor maligno

 

cato caco de vidros nessa areia carma
e provo o sal o sangue o sexo a saliva
o cio dessas horas tontas

 

curuminha ainda chora espuma de isopor na areia no país onde ela mora o lixo que se vê na praia não vem na barriga da arraia no bico da cegonha ou no rabo da sereia


                                                            *

 

poética 47

 

eu sou o elo
a ponte
entre um lado
e outro do nada
nonada - infinito
rio
o grito do silêncio
quando estou no cio

a fome de ter

no sumidouro
me declaro sua

e até serei
entre o ser e o não ser
alguma coisa
que ainda não sei


                            Rúbia Querubim


 poética 48

 

em tudo que alana não disse
teus lábios molhados
talvez só quisessem
a língua lambendo clarice
na hora do amor se fizesse

um livro com hora marcada
no instante que ela quiser
na ora H de clarice
em ana nascendo a mulher


poética 49

 

não tenho nome
me chamam muito
coletivo de animais selvagens
enxame matilha manada

 

nas encruzilhadas
se desfazem sobrenomes
se consomem
carnes sangues nervos ossos

 

enquanto o mel se desvai na teia
eu me basto
mastigando os restos da santa ceia

 

poética 50

 

sigo a trilha
traço o trilho
a língua tralha
quando um troço 

no tropeço  dá na telha

a saudade  então me trampa

quando ali          ela me trapa

 

no meio do caminho

de manhuassu

em são sebastião do sacramento, 
n´alguma cruz meu juramento
na casinha abandonada
dos alcoólicos anônimos

o amor foi quase um trampo

o amor foi quase um nada


poética 51

para silvia helena passarelli

 

a  estrutura do poema

tem o tamanho da tela

no lado esquerdo da parede

da sala do apartamento

 

formando 7 elementos

com palavras movimentos

na porta do elevador

na espessura da tinta

na tessitura da cor

no som que vem da cozinha

e se espalha no corredor

 

a estrutura do poema

está na gravura do livro

que fala em 7 cidades

onde uma é veracidade

seja a cidade onde  fica

seja a cidade benfica

seja a cidade onde for


poética 52

 

tempo de silêncio
tempo bom 
ouve-se o íntimo do som

poética 53

 

um peixe mergulha
um outro nada

 

                              como não tenho um outro

nada a te oferecer
te ofereço flor de cactos

flor de lótus

flor de delírios


ou mesmo sexo
sendo flor ou faca fosse

 

os poemas ácidos
em meus nervos óxidos

 

te ofereço tudo
sem nenhum apego
minhas arte/manhas

 

meu desassossego


poética 54

 

o silêncio é uma arma poderosa 
quando não sabemos se o inimigo
vai nos atacar com poesia 
ou se defender com prosa


poética 55

 

ainda que fosse
ou que não fosse
você me dissesse o que sente
eu te dissesse o que sinto
não mudaria a cor do tijolo
daquela parede preta
nem ao menos saberíamos
quem pintou
ou qual a marca da tinta
que ali foi usada
por isso não creio
em sentimentos
que não transformam
o que vi vemos

poética 56

 

paixão é quando
linguagem de cinema
corta o verso pelo avesso
 a cena segue em outra dimensão

sem seta rumo sem endereço
como se a nova meta

sem meio fim ou começo

enlouquecesse o coração


poética 57

 

sinto tudo de você  - me vem

sinto tudo de você meu bem

sinto tudo de você que nem

meus zóios tristes  no trem

nos trilhos por onde vais

por pero vaz e  caminhas

por um brasil do nunca mais


 

poética 58

 

o poema é um silêncio dentro de um copo vazio de gin um beijo sujo de asfalto bêbado num boteco em botafogo olhando o pão de açúcar como um cristo redentor do amor não consumado stela ainda passeia direto na veia o mar revolto em são conrado o sangue da curuminha no hotel nacional e a vida se esvai na rocinha nessa cidade partida no olho do corcovado desfiando   as flores do mal


poética 59

 

elis  tem o sal do mar

na língua  - e me lança

ondas num lance de lamber

meu cais  - me atira

sobre as vagas

quando estou em calmas

porque sabes 

que  me tens nos temporais  


 

 

poética 60
para paulo sabino e marisa vieira

 

preciso atravessar
o impreciso

 

no branco do papel
quando pressinto

 

a lentidão de alguma lesma
no absinto

de mym mesma 


                                              poética 61

 

eu rabisco azulejos
no azul da tuas  pedras
na língua quando te beijo
na boca que não medra


poética 62 - vale dos vinhedos

hora do almoço

 

a boca com  gosto de repolho roxo
salada de pimentão vermelho
beterraba - codorna temperada
com os vinhos das outroras
para o churrasco das colônias
bem na quinta das senhoras
com   legumes e frutas de quintal

colhidas pelas nonas antes do vendaval

  

as falas sobressaltas falas

vozes escancaradas sobre as mesas

a brasa da pimenta é viva

quase tudo de bom vem das surpresas
o sabor da uva o  agridoce das pitangas
o licor curtido das  amoras
como o  fogo dessa flor nativa
é o  beijo que me deste agora


 

 

 

poética muito prosa

 

a paisagem atrás da praia é abstrata quase oculta invisível a mulher que escondeu o sol dentro das ondas e recolheu os peixes por entre as coxas  depois de beijar espumas pela areia passeava as 3 da tarde depois da oficina cine poesia na pedra do arpoador

federika recolheu as ovas de namorados espalhadas nas encostas agradeceu aos pescadores do posto 6 mergulhou  as iguarias numa sacola de plástico seguiu para casa feliz pensando o  banquete de omelete para comer depois da noite entre os lençóis da sua cama plástico das suas cortinas de vento


amar/a/lírica

 

bebo teus olhos

dentro da noite escura

de onde me vens criatura

que me consomes na fala

quando me olhas se cala

no seu profundo pensar

 

mergulho no teu silêncio

pelos mistérios do cio

pelos segredos do ar

o que me trazes do rio

o que me teces no fio

o que me levas para o mar


profanalha nu rio

 

a flecha de são sebastião
como ogum de pênis/faca
perfura o corpo da glória
das entranhas ao coração

 

do catete ao largo do machado
onde aqui afora me ardo
como bardo do caos urbano
na velha aldeia cariOca
sem nenhuma palavra bíblica
e muito menos avária

 

orgasmo é falo no centro
lá dentro da candelária


repressão

 

dentro do arame farpado

esse poema  enterrado

para nunca mais sair


 

 sabre que sangra

 

não tenho nada contra
muito menos a favor
não sou do tipo isso e aquilo
tenho um kilo de farinha

dentro da caixa de isopor

 

a latinha sei o quanto custa
e pago o preço
pra beber por onde esteja
vinho conhac cerveja 
no meu bolo de cereja
só não cabe quem não for

 

não sou do tipo 
sangue de porco no chouriço
fulinaimânico mestiço
você sabe o que é isso

entrar pela porta de serviço

pela pele da minha cor  

 

você não sabe quanto custa

o preço da minha ira

o custo do meu amor

sou eu quem sabe onde o sabre
sangra sem dó - a minha dor

 

santíssima trindade

 

brincando de zeus e vênus
plantei uma conchinha do mar

no teu umbigo
- mora comigo - o amor nunca é de menos
transcende o sol  - e sua luz 
atravessa o litoral da santa cruz


afrodite me atirou na tempestade
quando subi a pedra do arpoador
para o salto no abismo
a flor de cactos feriu meus olhos 
ali sangrei – matei a morte 
santíssima trindade me deu o norte
para ressuscitar de novo aqui.


sarcasmo

 

o olho clínico não responde 
fechou o livro na vigésima
sétima página

eu fico sem saber o que pensa
da minha crença no naturalismo
das coisas que ainda não tem nome 

se a fome é meta física
ou a meta é sobrenatural

se tesão é força quântica

reação química ou apenas
a parte mais intensa
de uma transa casual


subversãopoética

 

duvido do poeta
que nunca amolou a língua
afiou a faca
atirou a pedra
saltou da ponte
para o outro lado da linguagem

 

duvidodo poeta
que nunca escreveu sagaranagem
explodiu a fala
saltou para dentro do abismo
de qualquer palavra
no poço fundo da voragem

 

duvido do poeta
que nunca pensou fulinaimagem
não sabe o que é  drummundo
nem mergulhou mais  fundo
em algum corpopoema
nunca quebrou a meta

na carne da metáfora

 

duvido do poeta
que nunca arrombou a porta
nem assaltou janela
quem não entortou a linha reta

não sabe quando beta  alpha
não sabe quando alpha  beta

 

 terra/mãe

 

agora que pairas sobre o tempo
quando o tempo ainda é tempo
ou quando invento no meu corpo
este teu tempo de existir
e re-invento o que ainda não existe

ou quando o tempo já se foi
sem sequer se existisse
ou se não visses tudo em ti
se já passou

 

agora mãe
é quando terra ainda me lembro
de algum tempo
na ferrugem que ficou
roendo os ossos dos meus dedos
não tenhas medo
de dizer que ainda é cedo
se alguma lágrima
sai do tempo que brotou


tempestade/temporais

 

eu sou avesso

atravesso a cidade

com o que me interessa

as vezes sou sossego

outras vezes tenho pressa

 

não procuro o que não quero

me abstenho no que faço

me abstrato quando posso

me concreto em cada passo

 

o compasso é argamassa

o absinto quando traço

uma linha nunca reta

da palavra em descompasso

 

se sou torto não importa

em cada porta risco um ponto

pra revelar os meus destroços

no alfabeto do desterro

a carnadura dos meus ossos


          tempestade/temporais

 

eu sou avesso

atravesso a cidade

com o que me interessa

as vezes sou sossego

outras vezes tenho pressa

 

não procuro o que não quero

me abstenho no que faço

me abstrato quando posso

me concreto em cada passo

 

o compasso é argamassa

o absinto quando traço

uma linha nunca reta

da palavra em descompasso

 

se sou torto não importa

em cada porta risco um ponto

pra revelar os meus destroços

no alfabeto do desterro

a carnadura dos meus ossos

 

                                anjo torto

 

eu sou o que invoca 
o que provoca 
e incorpora 
desconcentra 
desconforta 
desconstrói 
e desconcerta

 

eu sou o que interpreta

representa 
o que inventa 

 e desafora

 

o anjo torto 
graças a zeus 
a pedra e ao machado de xangô

 

a capitã do mato

a  caipora 
me xinga de poeta enganador 
mal sabe ela 
que eu sou da reza 
e que o homem que se preza

nunca se escraviza 
com chicote de feitor

 

metáfora

 

meta dentro
meta fora
que a meta desse trem agora
é seta nesse tempo duro
meta palavra reta
para abrir qualquer trincheira
na carne seca do futuro 
meta dentro dessa meta
a chama da lamparina 
com facho de fogo na retina 
pra clarear o fosso escuro

 

psicótica – 67

 

não frequento academias

físicas – e muito menos literárias

minha palavra avária

está à beira do precipício

nem sei porque não continuei

internado no hospício

onde choques elétricos aconteciam as tantas

no manicômio henrique roxo

na cidade de campos dos goytacazes

onde a medicina psiquiátrica

era exercida por capatazes de médicos açougueiros

e um capixaba de nome vespasiano

não resistiu ao surto

explodiu a cabeça contra a parede

e nenhum jornal da cidade

noticiou o suicídio

que eu trago na lembrança

como  dentes encravados na memória


 

meta/fórica

 

ouço a música

nesse disco estrangeiro

a musa tem o nome: guanabara

no silêncio ela ri da nossa cara

a flor do mangue agora mora

onde seu leito jorra lama

por sua boca desdentada

peixe podre explode angra

em meu poema carNAvalha

naturalismo onde supunha

sal da terra no esgoto

eco sistema não interessa

ao senhor do mato grosso

agro-negócio é matadouro

soja pasto para os bois

o simbolismo da escrita é só metáfora

a concretude o modernismo vem depois



  Texto em homenagem ao Poeta Artur Gomes – Na 11ª Mesa-redonda Poesia Visual Contemporânea, no CCJF Cinelândia – Rio de Janeiro

 

por Paulo Sabino

 

Ao fim de Memória de Fogo, peça teatral em temporada neste Centro Cultural até domingo passado, SadyBianchin, ator, diretor, roteirista e um dos responsáveis pelo texto do espetáculo, depois de fazer vários agradecimentos, fez um que, segundo ele, era o mais importante de ser feito: o agradecimento a plateia. Isso, porque, para SadyBianchin, à realização de um espetáculo teatral, podem faltar luz, a trilha sonora, o figurino, a maquiagem, o cenário; podem faltar todos esses itens. Porém, duas coisas são imprescindíveis para que a magia do teatro aconteça, para que o espetáculo possa realizar-se o ator e o público. Sem ator e público, a apresentação torna-se inviável. É dessa troca, entre ator e plateia, que uma apresentação teatral torna-se possível.

 Saí da sala, após o espetáculo, com essa sábia perspectiva levantada pelo Sady e, naturalmente, eu transpus,  para a minha vivência com a poesia: eu, Paulo Sabino, que adoro realizar saraus, encontro poéticos, a interação entre poetas e seus leitores, sei o quão importante é, para um poeta com esses mesmos interesses, ter em suja plateia, aqueles que comunguem da sua paixão maior. E hoje o Centro Cultural da Justiça Federal, a convite do curador deste evento, o querido Tchello d´Barros, eu tenho o prazer a alegria de prestar essa homenagem a um poeta cujos nome e sobrenome podemos perfeitamente trocar por  “palco”, “ribalta”, “proscênio”, “sarau”, “encontro literário”, oficina de arte cênica”, “festival literário”, porque seu movimentos em prol da poesia está em perfeita sintonia com os espaços onde se dá, onde acontece, a magia da poesia falada: este poeta é o grande e super querido ARTUR GOMES.

 Falar de ARTUR GOMES é falar de um dos maiores responsáveis pela manutenção e preservação de espaços onde desfrutamos da troca que é imprescindível às artes cênicas  troca entre poeta e plateia. Falar de ARTUR GOMES é falar de um dos poetas mais atuantes  na manutenção e preservação de locais onde a poesia falada, a poesia oral, a poesia trocada pelo verbo, é a grande estrela. E nesse seu esforço de manutenção e preservação desses espaços, ARTUR GOMES é dos poetas que mais roda o Brasil, participando de inúmeros saraus, festivais, encontros e festas literárias, ao longo de sua extensa carreira artística, mas de 40 anos dedicados à palavra – a grande musa e amante de qualquer poeta.

 Nestes 45 anos de carreira, contabilizados a partir do ano de lançamento do seu primeiro livro de poesia, Um Instante No Meu Cérebro, 1973, ARTUR GOMES, no seu amor pela palavra, e de modo abrangente, no seu amor pelas artes, desenvolveu uma série de outras frentes de trabalho: além de sua atuação como poeta, ARTUR GOMES é um artista multifacetado, um artista antenado a diversas linguagens artísticas, como o teatro, a fotografia, o audiovisual e a performance.

 Para que todos os presentes tenham ciência do que digo, de 1985 a 2002, o poeta dirigiu a “Oficina de Artes Cênicas”, do CEFET-Campos, hoje, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense. De 2011 a 2012, coordenou oficinas de produção audiovisual, na mesma instituição de ensino. Em 1999 criou o FestCampos de Poesia Falada, que até hoje é realizado pela Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, em Campos dos Goytacazes. De 2014 a 2016, esteve à frente das oficinas de teatro no “Sesc Campos”. Em 2017 dirigiu o curso de teatro multi-linguagens, no SINASEFE (Sindicato Nacional dos Servidores Federais de Educação Tecnológica), núcleo do Instituto Federal Fluminense. Atualmente, ARTUR GOMES é professor de interpretação, do Curso Livre de Teatro, da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, em Campos dos Goitacazes, no estado do Rio, e apresenta a performance “Poesia Viva Poesia” que já conta com mais de uma centena de apresentações. Mês passado ele participou do 1º Festival de Brasília da Poesia Brasileira, e este mês, hoje, está aqui participando da 11ª Mesa-redonda sobre Poesia Visual Contemporânea.

 E a presença de um poeta multifacetado, como é ARTUR GOMES, nesta noite, não é mera coincidência. Quando pensamos ou falamos em poesia visual, não podemos jamais, desvincular esse tipo poético do nome ARTUR GOMES. Desde o início dos anos 80, ARTUR GOMES é uma voz que dá voz-espaço à poesia visual. Em 1983, criou o projeto “Mostra Visual de Poesia Brasileira”, com o objetivo de reunir, num mesmo espaço físico, todas as linguagens poéticas contemporâneas. Em 1993, na sua décima edição, em parceria com o “Grupo Livre Espaço de Poesia”, a MVPB (Mostra Visual de Poesia Brasileira) foi realizada pele rede SESC-SP, em homenagem ao centenário de Mário de Andrade, que  culminou com o prêmio de “Evento do Ano”, concedido pela APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte), ao Grupo Livre Espaço de Poesia.

Por muito, portanto, a homenagem prestada ao poeta precursor da poesia visual é mais do que justa. Encerrando a minha participação saúdo a poética de ARTUR GOMES lendo um poema do livro que o poeta lança neste evento, o Juras Secretas, e autografa assim que eu me calar.


*

 meta metáfora no poema meta

 

como alcançá-la plena

no impulso onde universo pulsa

no poema onde estico plumo

onde o nervo da palavra cresce

onde a linha que separa a pele

é o tecido que o teu corpo veste

 

como alcançá-la pluma

nessa teia que aranha tece

entre um beijo outro no mamilo

onde aquilo que a pele em plumo

rompe a linha do sentido e cresce

onde o nervo da palavra sobe

o tecido do teu corpo desce

onde a teia que o alcançar descobre

no sentido que o poema é prece


                                 Artur Gomes

poeta.ator.produtor cultural vídeo maker

2021 - Curador da Mostra  Cine Vídeo de Poesia Falada realizada pelo SESC – Piracicaba-SP

Curador do 1º Festival Cine Vídeo de Poesia Falada

Integrou a Mostra De vídeopoemas dentro do Projeto Arte de Toda Gente realizado pela FUNARTE-Rio com curadoria de Tchello d´Barros 


livros publicados: 

Um Instante No meu Cérebro – 1973 

Mutações Em Pré-Juízo – 1975 

Além Da Mesa Posta – 1977 

Jesus Cristo Cortador De Cana – 1979 

Boi-Pintadinho – 1980 

Carne Viva – 1984 – Antologia de Poesia Erótica –

Org. Olga Savary 

Suor & Cio – 1985 

Couro Cru & Carne Viva – 1987 

20 Poemas Com Gosto de JardiNÓpolis & Uma Canção Com Sabor de Campos – 1990 

Conkretude Versus ConkrEreções – 1994 

CarNavalha Gumes – 1995 

BraziLírica Pereira : A Traição das Metáforas – 

Alpharabio Edições – 2000 

SagaraNagens Fulinaímicas – 2015 

Juras Secretas – Editora Penalux  2018 

Pátria A(r)mada – Editora Desconcertos – 2019  

Prêmio Oswald de Andrade – UBE_Rio- 2020 

O Poeta Enquanto Coisa – Editora Penalux -  2020

  

Criador dos Projetos: 

Mostra Visual de Poesia Brasileira – realizado de 1983 a 1994 em diversas cidades brasileiras. 

Mostra Visual de Poesia Brasileira – Mário de Andrade -100 Anos – realizado pelo SESC-SP em 1993 

Retalhos Imortais do SerAfim – Oswald de Andrade Nada Sabia de Mim – realizado pelo SESC-SP em 1995 

FestCampos De Poesia Falada – realizado pela Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, na cidade de Campos dos Goytacazes, de 1999 a 2019 

De 1975 a 2002 Dirigiu a Oficina de Artes Cênicas do Escola Técnica Federal de Campos e Cefet-Campos 

Em 2002 lançou o CD Fulinaíma Sax Blues Poesia e tem gravado e ainda inédito o CD Fulinaíma Afro Tupiniquim 

De 2011 a 2012 – Dirigiu o Laboratório de Produção Cine Vídeo – no IFF Campos Campus Centro 

De 2011 a 2012 – Dirigiu no SESC Campos Oficinas de Produção Cine Vídeo 

De 2014 a 2016 – Dirigiu no SESC Campos Oficinas de Artes Cênicas 

De 214 a 2017 – Dirigiu no SINASEFE – seção Campos o Curso de Teatro Multi Linguagens 

De 2018 a 2018 – Lecionou Poéticas no Curso Livre de Teatro da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima em Campos dos Goytacazes-RJ 

Tem poesia publicada nas principais revistas digitais de arte e literatura, tais como: GERMINA, GUETO, ACROBATA, RUÍDO MANIFESTO, QUATETÊ, ESCRITA DROIDE, MALLARMARGENS, CRONÓPIOS e ALGUMA POESIA

tem inédito os livros: Itabapoana Pedra Pássaro Poema 

Mar De Letras Rio De Palavras

e

Vampiro Goytacá Canibal Tupiniquim

*

Fulinaíma MultiProjetos





 

Artur Gomes - O Poeta Enquanto Coisa

Fé no Evoé : Confissões dionisíacas na poética e política de Artur Gomes   Igor Fagundes *   Depois das excitadas e excitantes Juras s...