entre os lençóis
o outubro
me deixou no tudo nada
a luz branca sem sono
em nossos corpos de abandono
ela arquitetava uma nesga
entre as frestas da janela
luz do luar nos olhos dela
girassóis em desmantelos
por entre poros entre pelos
minhas unhas tuas costas
Amsterdã nos teus cabelos
o que Van Gog me trazia
era branca noite de outono
que amanheceu sem ver o dia
nossos corpos estavam banhados
de vinho tinto e poesia
Artur Gomes
Do livro O Poeta Enquanto Coisa
Editora Litteralux – 2024
nova tiragem em breve
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A poesia
liberada de Artur Gomes
Por Uilcon Pereira
Há uma passagem, em Auto
do Frade, de João Cabral, que me chamou a atenção:
“-
Fazem-no calar porque, certo, sua fala traz grande perigo.
- Dizem
que ele é perigoso mesmo falando em frutas e passarinhos”.
Vislumbro aí uma
espécie de definição do alto poder da poesia, do poeta, da arte em geral:
deixar fluir uma energia de protesto e indignação, crítica e iluminação da
existência, qualquer que seja o pretexto ou o ponto de partida.
Por exemplo -: Suor
& Cio, novo poemário de Artur Gomes. Na sua primeira parte (Tecidos sobre a Terra), lemos um
testemunho direto sobre as misérias e sofrimentos na região de Campos dos
Goytacazes, interior fluminense. Não se canta amorosamente as lavouras de cana
e grandes usinas, os aceiros e céus de anil. Ao contrário. Ouvimos uma fala que
“traz grande perigo”, efetivamente,
ao denunciar – com aspereza e às vezes até com extremo rancor – a situação
histórico-social, bruta e feroz,
selvagem e primitiva, da exploração do homem no contexto do latifúndio e da
monocultura.
“usina mói a cana
o caldo e o bagaço
usina mói o braço
a carne o ossso.”
Mas essa poesia dura, cortante e aguda, mantém igualmente a
sua força de transgressão – continua revolucionária e perigosa – mesmo quando
tematiza (principalmente em Tecidos
sobre a Pele, segunda parte do livro) as frutas, ou o prazer sexual, os
seios, o carnaval, o mar, e os impulsos eróticos. Por detrás dos elementos
bucólicos e paradisíacos (só nas aparências, bem entendido), eis que explode o
censurado o reprimido, o que não tem vergonha e nem nunca terá:
“arando o vale das coxas
com o caule da minha espada
no pomar das tuas pernas
eu planto a língua molhada”.
Por isso, frequentemente os poemas se debruçam sobre o próprio
ofício do poeta, e sobre o próprio sentido do fazer artístico. Ofício de
artista, experiência de poeta: presença do risco da violação das normas
injustas: carnavalizando, desbundando a
troup-sex, infernizando o céu santificando a boca do inferno, denunciando o
rufo dos chicotes, opondo-se aos d nos da vida, que controlam o saldo, o lucro
e o tesão.
Os versos de Artur Gomes querem ser lidos, declamados,
afixados em cartazes, desenhados em camisas. E vieram para ficar nas memória e
bibliotecas da nossa gente, apesar do suor e do cios, graças ao suor e ao cio:
“com um prazer de fera
e um punhal de amante”.
Uilcon
Pereira
São Paulo, julho de 1985
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