quarta-feira, 23 de março de 2022

juras secretas


Jura Secreta 43

veraCidade 

por quê trancar as portas 
tentar proibir as entradas 
se já habito os teus cinco sentidos 
e as janelas estão escancaradas ? 

um beija flor risca no espaço 
algumas letras de um alfabeto grego 
signo de comunicação indecifrável 
eu tenho fome de terra 
e esse asfalto sob a sola dos meus pés 
agulha nos meus dedos 

quando piso na Augusta 
o poema dá um tapa na cara da Paulista 
flutuar na zona do perigo 
entre o real e o imaginário 
João Guimarães Rosa

Caio Prado

Martins Fontes 
um bacanal de ruas tortas 

eu não sou flor que se cheire 
nem mofo de língua morta 
o correto deixei na Cacomanga 
matagal onde nasci 

com os seus dentes de concreto 
São Paulo é quem me devora 
e selvagem devolvo a dentada 
na carne da rua Aurora 

 


Marcante na medida necessária sempre que leio uma Jura, sinto-me degustando uma bebida diferente, como se estivesse em débito com algo ou com alguém, minha consciência fala abertamente sobre os causos que tomam conta. Um livro para se ler nas horas de reflexão, de desejo, de vontade, e claro, sobretudo, nas inquietações. Um livro excelente para ser lido ao som de Erik Satie ou Beethoven.

Vítor Lima

www.secretasjuras.blogspot.com



Jura secreta 29

                   esfinge

o amor
não é apenas um nome
que anda por sobre a pele
um dia falo letra por letra
no outro calo fome por fome
é que a pele do teu nome
consome a flor da minha pele

cravado espinho na chaga
como marca cicatriz
eu sou ator ela esfinge:
Clarice/Beatriz:

assim vivemos cantando
fingindo que somos decentes
para esconder o sagrado
em nossos profanos segredos
se um dia falta coragem
a noite sobra do medo

é que na sombra da tatuagem
sinal enfim permanente
ficou pregando uma peça
em nosso passado presente

o nome tem seus mistérios que
se escondem sob panos
o sol é claro quando não chove
o sal é bom quando de leve
para adoçar desenganos
na língua na boca na neve

o mar que vai e vem não tem volta
o amor é a coisa mais torta
que mora lá dentro de mim
teu céu da boca é a porta
onde o poema não tem fim



Jura Secreta 31

de Dante a Chico Buarque
todos os poetas
já cantaram suas musas

Beatriz são muitas
Beatriz são quantas
Beatriz são todas
Beatriz são tantas

algumas delas na certa
também já foram cantadas
por este poeta insano e torto
pra lhes trazer o desconforto
do amor quando bandido

Beatriz são nomes
mas este de quem vos falo
não revelo o sobrenome

está no filme sagrado
na pele do acetato
na memória do retrato
Beatriz no último ato
da Divina Comédia Humana
quando deita em minha cama
e come do fruto proibido


Jura Secreta 32

fosse apenas o que já foi dito
escrito falado pensado
não fosse tudo o que já foi maldito
e nada do que nunca foi sagrado

falo em tua boca enquanto em transe
um anjo me ilumina tanto
que mesmo mudo em tua língua canto

como um diabo que subindo aos céus
tentou muito mais de uma vez
quem sabe Gregório ou quem sabe Castro
descendo aos infernos como sempre fez

talvez Camões no corpo de um astro
me lance a infinita chama da pornô Gráfica lucidez


Jura Secreta 33
sampleAndo

o poema pode ser
um beijo em tua boca
carne de maçã em maio
um tiro oculto sob o céu aberto
estrelas de néon em Vênus
refletindo pregos no meu peito em cruz

na Paulista Consolação
na Água Branca Barra Funda
metal de prata desta lua que me inunda
num beijo sujo com uma Estação da Luz

nos vídeos.filmes de TV
eu quero um clipe nos teus seios quentes
uma cilada em tuas coxas japa
como uma flecha em tuas costas índia
ninja gueixa eu quero a rota teu país ou mapa

teu território devastar inteiro
como uma vela ao mar de fevereiro
molhar teu cio e me esquecer na Lapa


Jura Secreta 99

dentro do quarto
o poema tenso
não entra nem sai
o estômago ronca
as tripas gritam de fome
e o poema preso
tenta dar um salto
pular pelas janelas
o impulso é fraco
o país é pobre
enquanto o povo dorme
a rosa se esfacela
e os restos de bandeja
são vendidos por migalhas


Artur Gomes
do livro Juras Secretas
Editora Penalux - 2018
disponível para compra em



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