Artur
Gomes
Roteiro Para Solo Com Teatro Poesia
Tecidos sobre a Terra
Terra, antes que alguém morra escrevo prevendo a
morte arriscando a vida antes que seja tarde e que a língua da minha boca não
cubra mais tua ferida
entre aberto em teus ofícios é que meu peito de
poeta
sangra ao corte das navalhas e minha veia mais aberta é mais um rio que se
espalha
amada de muitos sonhos e pouco sexo deposito a
minha boca no teu cio e uma semente fértil
nos teus seios como um rio
o que me dói é ver-te devorada por estranhos olhos
e deter impulsos por fidelidade
ó terra incestuosa de prazer e gestos não me
prendo ao laço dos teus comandantes só me enterro à fundo
nos teus vagabundos com um prazer de fera
e um punhal diamante
minha terra é de senzalas tantas enterra em ti
milhões de outras esperanças soterra em teus grilhões a voz que tenta – avança
plantada em ti como canavial que a foice corta
mas cravado em ti me ponho a luta mesmo sabendo – o vão estreito em cada porta
MOENDA
usina
mói a cana
o caldo e o bagaço
usina
mói o braço
a carne o osso
usina
mói o sangue
a fruta e o caroço
tritura suga torce
dos pés até o pescoço
e do alto da casa grande
os donos do engenho controlam
:
o saldo e o lucro
A poesia pulsa
Para Tanussi Cardoso
aqui
a poesia pulsa
na veia
no vinho
no peito
no pulso
na pele
nos nervos
nos músculos
nos ossos
posso falar o que sinto
posso sentir o que posso
aqui
a poesia pulsa
nas coisas
nos códigos
nos signos
os significantes
os significados
aqui
a poesia pulsa
na pele da minha blusa
na íris dos olhos da minha musa
toda vez que ela me usa
nas iguarias de Bento
quando trampo mais não troco
quando troco mas não trapo
nas pipas
nos vinhedos nos arcos
nas madrugadas dos bares
sampleando
bolero in blues
rasgado num
guardanapo
o poema pra Juliana
escrito na cama do quarto
no copo de vinho
na boca de Vênus
na bola da vez da sinuca
sangrada pelo meu taco
aqui
a poesia pulsa
nos cabelos brancos da barba
nas gargalhadas de Bacca
na divina língua de Baco
Jura secreta 10
fosse o que eu quisesse
apenas um beijo roubado em tua boca
dentro do poema nada cabe
nem o que sei nem o que não se sabe
e o que não soubesse
do que foi escrito
está cravado em nós
como cicatriz no corte
entre uma palavra e outra
do que não dissesse
Jura secreta 12
Sargaço em tua boca espuma
em Armação de Búzios
tenho um amor sagrado
guardado como jura secreta
que ainda não fiz para Laís
em teus cabelos girassóis de estrelas
que de tanto vê-las o meu olho vela
e o que tanto diz onda do mar não leva
da areia da praia onde grafei teu nome
para matar a sede e muito mais a fome
entranhada na carne como flor de Lótus
grudada na pele como tatuagem
flutuando ao vento como leve pluma
no salgado corpo do além mar afora
sargaço em tua boca espuma
onde moram
peixes - na cumplicidade
do que escrevo agora
o tecido do amor já esgarçamos
em quantos outubros nos gozamos
agora que palavro Itaocaras
e persigo outras ilhas
na carne crua do teu corpo
amanheço alfabeto grafitemas
quantas marés endoidecemos
e aramaico permaneço doido e lírico
em tudo mais que me negasse
flor de lótus flor de cactos flor de
lírios
ou mesmo sexo sendo flor ou faca fosse
Hilda Hilst quando então se me amasse
ardendo em nós salgado mar e Olga risse
pulsando em nós flechas de fogo se
existisse
por onde quer que eu te cantasse ou
Amavisse
com esta jura secreta despacho
2021
para abrir um 2022 com muita fé
amor e esperança para todos
amigos e amigas
eu te desejo flores lírios brancos
margaridas girassóis rosas vermelhas
e tudo quanto pétala
asas estrelas borboletas
alecrim bem-me-quer e alfazema
eu te desejo emblema
deste poema desvairado
com teu cheiro teu perfume
teu sabor teu suor tua doçura
e na mais santa loucura
declarar-te amor até os ossos
eu te desejo e posso :
palavrArte até a morte
enquanto a vida nos procura
Jura secreta 15
leminskiAna
o estado pode ser de choque
ou quem sabe até de surto
o soco pode ser no estômago
a facada pra ferir o fígado
o bandido me assaltar na via
o sangue explodir na veia
a vodka só me dar azia
todo instante que vier eu curto
a palavra que pintar eu furto
tudo o que eu faço é poesia.
para may pasquetti
fosse esta menina Monalisa
ou se não fosse apenas brisa
diante da menina dos meus olhos
com esse mar azul nos olhos teus
não sei se MichelÂngelo
Da Vinci Dalí ou Portinari
te anteviram
no instante maior da criação
pintura de um arquiteto grego
quem sabe até filha de Zeus
e eu Narciso amante dos espelhos
procuro um espelho em minha face
para ver se os teus olhos
já estão dentro dos meus
Jura
secreta 18
te beijo vestida de nua
somente a lua te espelha
nesta lagoa vermelha
porto alegre caís do porto
barcos navios no teu corpo
os peixes brincam no teu cio
nus teus seios minhas mãos
as rendas finas que vestias
sobre os teus pelos ficção
todos os laços dos tecidos
aquela cor do teu vestido
a pura pele agora é roupa
o sabor da tua língua
o batom da tua boca
tudo antes só promessa
agora hóstia entre os meus dentes
e para espanto dos decentes
te levo ao ato consagrado
se te despir for só pecado
é só pecar que me interessa
Jura secreta 19
quero dizer que ainda arde
tua manhã em minha tarde
a tua noite no meu dia
tudo em nós que já foi feito
com prazer ainda faria
quero dizer que ainda é cedo
ainda tenho um samba/enredo
tudo em nós é carnaval
é só vestir a fantasia
quero ser teu mestre sala
e você porta/bandeira
quando chegar na quarta feira
a gente inventa outra fulia
Jura secreta 22
entre/dentes3
olhei para cara do tempo
ela estava fechada
não me dizia nada
pensei as SagaraNAgens
que o tempo fazia comigo
peguei do tempo o umbigo
cortei na ponta da faca
e a tua cara de vaca
sangrei sem nenhum remorso
porque isso o tempo não tem
agora o tempo sorri
me mostra os dentes da boca
e a tua cara de louca
é a minha cara também
não bastaria a poesia deste bonde
que despenca lua nos meus cílios
num trapézio de pingentes onde a lapa
carregada de pivetes nos seus arcos
ferindo a fria noite como um tapa
vai fazendo amor por entre os trilhos.
não bastaria a poesia cristalina
se rasgando o corpo estão muitas meninas
tentando a sorte em cada porta de metrô
e nós poetas desvendando palavrinhas
vamos dançando uma vertigem
no tal circo voador.
não bastaria todo riso pelas praças
nem o amor que os pombos tecem pelos milhos
com os pardais despedaçando nas vidraças
e as mulheres cuidando dos seus filhos.
não bastaria delirar Copacabana
e esta coisa de sal que não me engana
a lua na carne navalhando um charme gay
e um cheiro de fêmea no ar devorador
aparentando realismo hipermoderno
num corpo de anjo
que não foi meu deus quem fez
esse gosto de coisa do inferno
como provar do amor no posto seis
numa cósmica e profana poesia
entre as pedras e o mar do Arpoador
mistura de feitiço e fantasia
em altas ondas de mistérios que são vossos
não bastaria toda poesia
que eu trago em minha alma um tanto porca,
este postal com uma imagem meio Lorca:
um bondinho aterrissando lá na Urca
e esta cidade deitando água
em meus destroços
pois se o cristo redentor deixasse a pedra
na certa nunca mais rezaria padre-nossos
e na certa só faria poesia com os meus
ossos.
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