Artur
Gomes
Poeta Enquanto Coisa
Fé no Evoé:
Confissões dionisíacas na poética e política de Artur Gomes
Igor Fagundes *
Depois
das excitadas e excitantes Juras secretas,
de 2018, o poeta e artista multimídia Artur Gomes volta a tornar pública sua
jura de amor e fidelidade ao arcaico deus Dionísio em O poeta enquanto coisa, de 2019, incorporando as ébrias forças
de Baco sob novos goles e ritos, tão poéticos quanto políticos, numa
contemporaneidade que avança em lama e vertigem e, assim, exige a potência do
mítico da palavra corpórea e originária. Comparece ao ethos deste livro a
mesma embriaguez fulinaímica de
sempre: a que toma, mediante o delírio atento frente aos passos obtusos do ser
e estar das gentes, cada palavra como taça, vinho tinto e uma tinta capaz de,
em contrapartida, rogar lúcida a passagem dilacerada do humano pelas páginas
turvas do mundo. Que, em prefácio, ressoe agora-aqui a face mesma de
assonâncias de Artur. Que em pré-faces (a da melopeia, a da fanopeia, a da logopeia) o poeta se apresente, por
assim dizer, multifacetado, contaminando-nos com os tempos de seu ritmo
venéreo. Que se capte, enfim, o próprio escape das imagens ímpares e afiadas
pelo gume de Gomes, repetindo-se – com outros nomes e aliterações
– seus deleitosos jogos de palavras em nossa fome de análise e anúncio:
incorporemos, nessa prosa de abertura, a música de seus trocadilhos, a
curvatura das paranomásias no retilíneo das linhas do livro: a que verte
vulva em verso, Afrodite em afro-ditos de orixás em orgias com Ártemis e
Hermes.
Que o veraz poeta, para aquém do
denominado moderno, para além do já clichê pós-moderno, para quem dos rótulos e
taxonomias previstas pelas literárias teorias, atravessa o pós-pós de tudo e mesmo o pó da
historiografia. Artur Gomes se exibe, ao revés, pré-antigo (tão dentro
quanto fora do chronos) na
atualidade incorrigível de uma poesia dedicada à Gaia (lê-se na dedicatória: “e
a Terra/Mãe/Terra a musa eterna dos meus estados de
surtos dos meus estados de sítio dos meus estados de cio”). Enquanto bebe, no tempo cronológico (“tempo de
bestas”, “na caretice dos bostas”), as lutas e lutos de sua época e
século (“esse país que atravesso corpo devassado em grito na cara do
silêncio”), inebria-os e subverte-os no tempo imemorial da Terra para
fundar o Aion sem fundo do instante-em-transe da
experiência artística. Por isso, não basta citar, em cacoete analítico, os
tiques nervosos que convêm à crítica (mencionar modernismos influentes, a
geração beat, a poesia pop, a tropicália...) para entender
sua lírica. Nem seria preciso. Soaria até repetitivo elencar, neste preâmbulo,
as personagens caras a Gomes, forjando-o efeito do esbarro nelas todas, do
encontro com elas, das tramas e transas com obras e corpos do passado e
presente: o poeta já o faz e cumpre a coletânea como a dramaturgia de sua
errância pelo imaginário e pelo inconsciente, os quais derramam sobre o copo do
real e da consciência alter-egos confessos e inventados – tudo o que for
líquido nos vasos sanguíneos do poeta alcooliza o poemário com o híbrido
de fogo fátuo e frios fatos.
Artur Gomes – assinatura por vir, heteronímica, heteromórfica – assim apresenta em O poeta enquanto coisa suas juras não mais secretas, mas públicas, ainda púbicas, aos afetos que compõem e decompõem sua literaturavida. Seus versos são rascunhos, rasuras e ranhuras a passar a limpo os nexos e os nervos de sua fatura formal e estilística, deixando sobre a página tanto um rastro de unha quanto o esmalte dos escritos e vozes que em sua alma avultam e nos dedos instauram cutículas.
Tais intertextos e intratextos, ou ainda, tais hipertextos insaciáveis se disseminam pela obra na mesma proporção com que se concentram em cada poema, lado a lado ou embaralhados; falseando nos rebentos líricos as certidões de batismo e, em poligamia, proliferando as certidões de casamento com as leituras/releituras de livros, bem como com o folhear de rostos amigos, ou com o riso e risco do desconhecido, não obstante o postergar de comprovantes de residência, de pátrias de origem: cada gesto, um tanto Ulisses, desmente Ítacas, deslinda labirintos (do Minotauro?) ou mesmo fios (de Ariadne?), teatralizando ad infinitum as alteridades que servem como impressão digital provisória e polimórfica para alguma identidade fluida, fragmentada, ao rés da fantasia. Mas nada disso seria possível – nenhuma conversa com livros, nenhum sexo com as líricas de um outro e de uma outra – seria concreto sem a lascívia uma vez mais dionisíaca de um cérebro em gozo sináptico, em psiké-análise, em psiké-catálise, em psiké-catábase: esta que põe no divã do poeta as divas Oxum e Afrodite atravessadas, fosse a sala do analista também um templo pagão ou uma ilha de Lesbos, de modo que Artur construa entre sua cama e seu karma de vate uma Igreja imoral/amoral do Reino de Zeus. E dos muitos Eus que exilam hóstias e comungam com o jamais fixo e intransigente credo.
Esta, a sacralização do profano e do erótico, ou a profanação do sagrado enquanto humano, do poeta enquanto coisa (“o amor mesmo quando profano / tem muito mais de sagrado”): filho de um deus com uma mortal, Dionísio dança na recorrência da palavra “vinho” no livro, a exemplo dos versos: “aqui / a poesia pulsa / na veia / no vinho”; “por vinho tinto e poesia”; “ela tem sede de vinho / nas madrugadas dos bares”; “o vinho do tempo na boca”; “em nossas bocas tinto – vinho”; “beijo tua boca ainda suja / do vinho que sobrou”; “me consagro teu amante / pelos vinhedos de Baco / no ápice sagrado / da su-real pornofonia”. A embriaguez dos significantes e dos significados é a que tanto forja imagens insólitas (como a de um “céu de estanho” ou como em “ela mastiga meus ponteiros”) quanto a que costura melodias bem trabalhadas entre vogais, consoantes ( “entre paredes pedras facas de dois gumes / nos parreirais depois da lua), ratificando a inteligência verbal (a logopeia) de Artur Gomes dobrada em melopeia (música) e fanopeia (imagética). Visualidade provocada, a saber, não só pelas imagens significadas pelos significantes, mas visualidade ou imagem do próprio significante, o qual, dentro de si, dá à luz significâncias outras (“EuGênio Andrade”, “Afro-dite, “BolivariAndo”, “eletriCidade”), pois Artur Gomes – nesta “pornofonia” – é mestre na criação de neologismos (em tudo se vê uma “carNavalha”).
Não apenas o corpo do homem, da mulher, se sensualiza e se sexualiza sob a força cósmica de Eros. É o poema mesmo que, em O poeta enquanto coisa, é corpo sensualizado, sexualizado, da mesma maneira que a cidade, o mundo, os tempos e o Tempo são Eros, vez que a palavra é pele e poro (duas palavras aliterantes e frequentes em Artur Gomes). Nessa porosidade, o poeta se entende permeável a coisas e pessoas (a pessoas já misturadas às coisas, a pessoas já coisas): “por entre poros entre pelos / minhas unhas tuas costas”. Também por isso, por essa poesia de tamanho contato, fricção, a relação com a língua se confirma erotizada e – vale dizer – tanto a língua física quanto a verbal, o que equivale a dizer que escrita e oralidade se reencontram no poeta: a sofisticação da escritura literária não perde (pelo contrário, potencializa) a dimensão primigênia do poeta como cantor, como ator “na divina língua de Baco”, a qual se exalta mediante a recorrência também da palavra “boca” e da palavra “coxa”: uma é a que beija, lambe, morde e degusta; outra é a beijada, a lambida, a mordida, a degustada. Ambas em rima toante também entoam ritmos e ritos profanos-sagrados:
o
poema fala do teu corpo
como se o tocasse
o reconhecesse em cada verso
cada palavra que sai da boca
como um canto bíblico
com louvor profano
Nessa performance e performatividade lingual-linguística, todo signo cisma um erotismo entre o significante e o significado, sim, mas também entre página e palco, palco e praça, praça e povo, a babel dos povos e a babel das palavras: daí, tantos trocadilhos (troca-trocas, orgias, surubas...), como o da “flór do lótus” com a “flor do lácio”, o das “coxas” com as “costas”, o do “fauno” com a “flauta”, o da “alvorada” com o “alvoroço”, o da “antítese” com a “Antígona”. Eis a língua física, outrossim, a trocar com a verbal, mas sendo ao mesmo temo pelo verbal trocado, e vice-versa. Eis o poeta trocando com outros poetas ou sendo trocado por poetas outros, vestindo a roupa dos outros e tirando a sua roupa para ser outro: Federico Baudelaire, Gigi Mocidade, Bracutaia Silva, Federika Bezerra, Cristina Bezerra etc. O poeta, analista translógico da psique, troca com sua psicanalista. E o poeta se tenta analista de si mesmo, elevando o caos para a troca de seu nome Artur por timbres e assinaturas novos. Do mesmo modo, o nome dos poetas que existem, os que morreram e ainda não, os vivos hoje e sempre, vai se trocando, em rearranjos da memória (e do recriativo esquecimento). Artur Gomes troca poetas em seu corpo e, trocando com eles, entende que todos trocam entre si, a exemplo do diálogo poético de Clarice com Baudelaire. Mais ainda: o corpo do poeta troca com o corpo do poema e, consoante em “Poética”, a metalinguagem elabora um troca-troca de textos sob o mesmo título, pois o poema “Poética” se metamorfoseia em outros poemas: o tema “Poética” permanece, mas se trocando: o mesmo sendo diferente. A palavra “outro(s)” se sugere, enfim, ouro neste livro, e é nessa não indiferença ao outro, que o poético se faz ético e político. E nessa política da e pela diferença, a cidade do corpo se troca e vira o corpo da cidade. Assim, o poeta é – quando e enquanto coisa.
No meio de tantas referências e reverências, borrões (d)e assinaturas (como as de Mário de Andrade, Drummond, Torquato Neto, Rimbaud, Mallarmé, Tanussi Cardoso, Tchello d’Barros, Jiddu Saldanha, Ronaldo Werneck, Reinaldo Valinho Alvarez, Reinaldo Jardim, deuses e deusas gregas, orixás), o “anjo torto” de Artur Gomes não sopra no livro Manoel de Barros ou James Joyce, escritores também engenhosos e que se vale de muitos ilogismos ou neologismos. Todavia, O poeta enquanto coisa não deixa, na qualidade de título de livro, de repercutir o Retrato do artista quando coisa (de Barros) e o Retrato do artista quando jovem (de Joyce). Do mesmo modo, não havendo menção (ao menos, explícita e intencional), ao “Teatro Oficina” de José Celso Martinez Corrêa, a dimensão orgiástica da arte e a reunião – não menos sacro-promíscua – de mitos gregos e africanos, a assimilação pela cultura ocidental de outras culturas, aparece em Artur Gomes nesta, quiçá, Poesia Oficina. A relação gozosa e experimental com que a palavra se faz poema e se teatraliza faz de seus livros um grande laboratório da língua, do corpo e da cultura, com repercussões nitidamente políticas.
Se
Pantanal é o corpo poético e o poema experimental, de aparente falta de lógica,
lembrando o discurso infantil, no Manoel de Barros do Retrato do artista quando coisa, a urbe é o corpo prenhe de
sexualidade e sensualidade em Artur Gomes, nos supostos ilogismos do
discurso adulto que se vê fragmentado e devorado por Eros e Thanatos, e no qual a relação sujeito-objeto já
não dá conta quando o humano se vê coisa
(não mais agente ou paciente, voz ativa ou passiva: talvez, as duas ao mesmo
tempo). Como no Pantanal de Barros, a linguagem de Gomes é lamacenta,
cheia de líquidos e delírios: a seiva se expande e se intensifica com (ou se troca por) suor e sêmen. Lama, agora,
é a cama: o mangue ou o pantaneiro é a cama de Artur onde dormem,
acordam, sonham, gozam e ardem todos os corpos (humanos e não humanos) aqui já
citados e dispostos nos lençóis, colchas e fronhas da página.
Por outro lado, temos na trajetória literária de James Joyce, a intertextualidade com Ulisses de Homero. Artur Gomes ouve o canto da sereia em sua cama, livro, divã, e talvez do inconsciente escute a voz de um “artista quando jovem”, vinda de Joyce. Nesta, a personagem protagonista Stephen Dedalus, aquele que será adiante o anti-herói de Ulysses, diz à sua mãe que não poderá seguir a vocação de padre. Ele descobriu uma nova e grandiosa missão em sua vida: a de criar uma nova e poderosa mitologia para o povo irlandês. O romance autobiográfico de Joyce narra a infância de Dedalus (máscara de Joyce), personagem que vai aparecer novamente em Ulysses. A vida do pequeno Dedalus é marcada pela religiosidade da mãe. Ela quer que o filho siga a carreira eclesiástica. Vários padres fazem parte da vida de Dedalus e vão moldando sua consciência. O momento de virada na vida da personagem principal se dá no momento em que ele escuta um horrível sermão feito por um padre sobre o inferno que o deixa muito impressionado. Dedalus passa a viver como um carola seguindo à risca todos os jejuns e mandamentos da igreja católica. Nesse momento, ele até se sente como um futuro padre. Com a sequência do romance, vemos o jovem Dedalus passar de uma fase religiosa para uma de sensualidade. Sente-se cada vez mais obcecado com a ideia da confissão. Ele então confessa a um padre todos os pecados sensuais que pratica. Abandona definitivamente a convocação de ser padre e passa a se interessar por ideias artísticas e estéticas. Dedalus abandona a carreira de padre mas não a fé.
Assim, Artur Gomes se obstina
pela ideia de confissão, mas de uma confissão dionisíaca. Primeiro, fazendo
suas Juras Secretas, suas
confidências sensuais, sexuais, eróticas, fulinaímicas. Em suma, suas sagaranagens (há algo de Joyce em
Guimarães Rosa, ou vice-versa; no Rosa que há em Artur Gomes, no sagarana dos três). Agora, em O poeta enquanto coisa,
arriscando-se a abandonar todo credo político-religioso paralisante, move-se –
avesso ao dogmático – no sentido de dançar o mitopoético, o dionisíaco. Daí, uma
Igreja Universal do Reino Zeus faça todo sentido na cosmogonia e
teogonia de Artur Gomes. Em primeiro lugar, como deboche diante de
quaisquer fundamentalismos. Em segundo lugar, como denúncia do que um Reino
de Deus pode roubar do político o vigor do poético, preferindo um louvor a
Dionísio a um Deus que não sabe dançar, que não sabe gozar, na liturgia de uma
poesia que roga
por um
poema
que desconcerte
entorte
desconforte
arrombe a porta
dos céus
da tua boca
arranhe os dentes
da loba
arrebanhe os cordeiros
no pasto
e lhes ensine
a subverter
as ordens do pastor
assumo o risco
não sou demo
nem corisco
eu sou cantor
Iansã
é quem me lava
Oxossi é quem me leva
Ogum é quem me manda
Oxum é quem me guarda
eu sou o que
invoca
o que provoca
e incorpora
desconcentra
desconforta
desconstrói
e desconcerta
eu sou o que
interpreta representa
o que inventa
e desafora
o Anjo
Torto
graças a Zeus
a pedra e ao Machado de Xangô
a Capitã do
Mato Caipora
me xinga de poeta enganador
mal sabe ela
que eu sou da
reza
que o homem que se preza
nunca se
escraviza
com chicote de feitor
*Igor Fagundes é poeta, ensaísta,
doutor em Poética e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Autor,
dentre outros, de pensamento dança (2018)
e Poética na incorporação (2016).
Macumbança (2020)
*
o poema fala do teu corpo
como se o tocasse
o reconhecesse em cada verso
cada palavra que sai da tua boca
como um canto bíblico
com louvor profano
A poesia pulsa
Para Tanussi Cardoso
aqui
a poesia pulsa
na veia
no vinho
no peito
no pulso
na pele
nos nervos
nos músculos
nos ossos
posso falar o que sinto
posso sentir o que posso
aqui
a poesia pulsa
nas coisas
nos códigos
nos signos
os significantes
os significados
a poesia pulsa
na pele da minha blusa
na íris dos olhos da minha musa
toda vez que ela me usa
nas iguarias de Bento
quando trampo mais não troco
quando troco mas não trapo
nas pipas
nos vinhedos nos arcos
nas madrugadas dos bares
sampleando bolero in blues
rasgado num guardanapo
o poema pra Juliana
escrito na cama do quarto
no copo de vinho
na boca de Vênus
na bola da vez da sinuca
sangrada pelo meu taco
aqui
a poesia pulsa
nos cabelos brancos da barba
nas gargalhadas de Bacca
na divina língua de Baco
Alice
para Alice Melo Monteiro
Gomes
A música está no
bico dos pássaros
na pétala da
lamparina
no caracol dos teus
cabelos
no movimento
dos músculos
no m das tuas mãos
nada mais sagrado
do que teus olhos
acesos
para me iluminar na escuridão
Poéticas
para Jiddu Saldanha
hoje acordei
com uma vontade da porra
de trepar na goiabeira
talvez assim quem sabe
ela me chame de jesus
ou então me salve
dessa terra de tanta cruz
ou quem sabe bacurau
até mesmo um bacuri bacuri
para acabar com os golpistas
desse brazyl americano
ou então ela me chame
de exu cabra da peste
cobra criada no nordeste
esse punk koreano
Atentado poético
com meus dentes
obscuro objeto do desejo
de pedra dourada ficaram portas
janelas de entradas e saídas
a sedução de dois olhos
em minha carne proibida
nem tanto pelo o que falo
nem tanto pelo que sinto
a vodka a cereja o conhac
o
abismo o labirinto
de pedra dourada
ficou um café orgânico
no teu sertão encantada
numa manhã de domingo
do outro lado da trilha
com tanta veraCidade
que me esqueci da idade
e me apaixonei por tua filha
de pedra dourada ficaram
olhos acesos do outro lado a janela
o espelho as contas de vidro
o jogo da sedução a maravilha
os passeios nas cachoeiras
os banhos de bar o carnaval
aquela delícia louca
o batom na minha língua
o cheiro das flores do mal
meu bem-me-quer a tua boca
bandeira nacional
arte poesia teatro cinema pós
poema
seja herói seja marginal
*
pudesse eu divagar pelos teus poros
bosque do teu reino entre teus pelos
mergulhar contigo o mar da fonte
atravessar da carne a pele a ponte
penetrar no orgasmo dos teus selos
pudesse eu cavalgar por tuas crinas
no dorso cavalar onde deflora
deixando assim então de ser menina
e me tornar mulher por toda sina
no inferno céu da tua hora
tragédia infame
empresto minha voz aos deserdados
os desnutridos os que não tem pela manhã café com pã e sobre a mesa no almoço nem
mesa nem carne seca com farinha espinha de peixe na garganta é o que sobrou pra
curuminha empresto meu corpo minha voz a
esses personagens os que tem sede os que
tem fome ou os que morrem assassinados nos
guetos nos campos nas cidades por balas
de fuzil está fudido o brasil entregue
as traças então me resta exterminar o nome o sobrenome o apelido do causador
dessa desgraça
há muito tempo não
recebo
cartas de ninguém
mas não rezo padre
nossos
simplesmente para
dizer amém
já fui católico
rezei terços ladainhas
acompanhei a
procissão dos afogados
na Tapera
para soletrar a
palavra Cacomanga
e entender que o
barro da cerâmica
trago grudado na
minha íris retina
meu batismo de fogo
foi numa Santa Cecília
entre víboras e
serpentes
mordi a hóstia do
padre
sua saia preta me
levou ao pânico
de sonhar
com juízes
e hoje saber o que
são
minha África
são os olhos negros
de Madame Satã
na língua tenho uma
sede felina
na carne
essa fome pagã
sou um homem comum
filho de Ogum com Iansã
Dani-se morreale
Dionisíaca
hoje é
domingo
de Hera me vingo
com minha sarcástica ironia
fisto-me de Dionísio
nessa festa pras Bacantes
me consagro teu amante
pelos vinhedos de Baco
no ápice sagrado
da su-real pornofonia
entre os lençóis
fonética das cores
3 dentadas
no pão e a faca suja de manteiga entreguei-me ao desejo de olhar o corpo do
poema nu ainda virgem deitado sobre a grama no quintal do casario no cafezal rolava um blues vestido de
algodão branca flor entre as sílabas tônicas e a fonética das cores entre o vão
das coxas brancas de alfazema sopravam ventos de alecrim
poema atávico
e se a gente se amasse uma vez só
a tarde ainda arde primavera tanta nesse outubro quanto de manhãs tão cinzas nesse
momento em Bento Gonçalves Mauri Menegotto termina de lapidar mais uma pedra tem seus olhos no brilho da escultura confesso
tenho andado meio triste na geografia da distância esse poema atávico tem a cor da tua pele a carne sob os lençóis onde
meus dedos ainda não nasceram algum deus anda me pregando peças num lance de dados mallarmaicos comovido ainda te procuro em palavras
aramaicas e a pele dos meus olhos anda perdida em teu vestido
agora
agora
que tenho entre as pernas
os seus
dados coloridos
acho divertido
o amor o sexo
quando brincamos
de cobra cega
durante o coito
matinal
lindo é acordar e gozar
todas manhãs
com teu impulso
dentro
e o mar ser logo ali
na lua
quando estamos sob os lençóis
nessa cama de madeira
que meu avô
construiu sem pensar
para que
ela serviria
gargaú
aqui signos
não casam com significados
cada um segue sua trilha
cada um segue seu atalho
eita povo
pacato pra caralho
assombro sobe em minha telha
e
com a língua/navalha carNAvalho
zeus me disse
ind/gesta
uma caneta
pelo
amor de deus
uma máquina
de escrever
uma câmera
por favor
quero um
computador
nem que
seja pós moderno
vamos fazer
um filme
vamos criar
um filho
deixa eu
amar a lídia
que a
mediocridade
desta idade
mídia
não coca
cola mais
nem aqui
nem no inferno
inventário
come vento menina
come vento
não há mais metafísica no mundo
do que comer vento
tem
de todos os sabores
amargo meio/amargo
chocolate de
café
sabe como é
em
meio a tanta crise
a gente inventa o vento que se quer
tempo poético
o tempo
é o senhor
dos meus ponteiros de músculos
relógio oculto no in/cons/ciente
o
tempo
nos olhos daquela viagem
a paisagem
caminho de pedras
o cenário
vale dos vinhedos
o
tempo
guardo em segredo
como uma jura secreta
na íris dos olhos dela
na face oculta da noite
na retidão clara do dia
como um concha na areia
o
tempo
mar
de espumas
sargaço algas noturnas
a carne do corpo também
o vinho do tempo na boca
e a língua dizendo amém
todo Dia é Dia D
furai
a pele das partículas dos poemas
viemos das gerações neoabstratas
assistindo a belos filmes de godart
inertes em películas de truffaut
bebendo apocalipses de fellini
em tropicâncer genocidas de terror
sangrai a tela realista dos
cinemas
na pele experimental do caos urbano
tragai
dali pele entre/ossos
glauber rugindo entridentes
na língua do veneno o gozo das serpentes
nos frascos insensíveis de isopor
caímos no poder do vil orgânico
entramos no curral dos artefatos
na porta de entrada os artifícios
na jaula sem saída os mesmos pratos
desconfiguração do corpo
os estilhaços
do corpo
estão espalhados
nas cidades
:
pernas aqui
braços ali
cabeças acolá
na total
desconfiguração
:
-
cabeça/tronco/membros
as cidades
estão entupidas
de fragmentos de populações
destroçadas em desespero
a crueldade é
tanta
que dificilmente em qualquer cidade
se encontra um ser humano por inteiro
língua
minha língua
é safada
nua e crua
não gasta palavra a toa
não canta palavra gasta
nem é fado de lisboa
é
blues rasgado
pedra de toque
samba rock
plug ligado
no navio ou na canoa
bebe do rio
e de sampa
nos demônios da garoa
fio desencapado
tensãoeletricidade
tesãocanibalidade
na voracidade da pessoa
amor desejo saudade
onde quer que lá esteja
a palavra que deseja
onde eu mais possa criar
re-invento a palavra pedra
xangô oxum na mesma água
se alimentando das algas
que re-inventamos no mar
mamãe
coragem
met/áfora 2
não me verás lugar algum enquanto
os dentes não forem postos e na mesa tenha espaço para todos. esse país que
atravesso corpo devassado em grito na cara do silêncio na boca dos escravizados
eu que venho das profundezas desse tempo escuro onde as caras soterradas no
asfalto onde os homens de verde/oliva despejavam chumbo sobre nossas palavras.
não me verás lugar algum o rosto que em mim verás agora é uma máscara que o
tempo se encarregou de moldurar sobre o pescoço.
moinhos de vento
por tanto tempo
por tanta escrita
por tanta carta
sem respostas
nossos moinhos de vento
muito além da mesa posta
ainda trago em mim
tuas mãos
tuas coxas
tuas costas
a tua língua
entre os dentes
em ex-camas que não tivemos
em madrugadas expostas
e tua fome era tanta
em tudo o que não fizemos
nesse teu corpo de santa
naquele tempo de bestas
na caretice de bostas
antropomágica
a primeira vez
foi um primeiro beijo então roubado
ali já ficou sacramentado em tropicália
o que iríamos desvendar
por entre cinzas nos currais
nas aldeias, ocas, nas taperas
por quantas Eras iríamos encontrar
agora como pa/lavro
outras amoras
plantei tuas sementes
no quintal da estação três cinco três
os frutos colherei junto ao teu nome
da tua carne comerei mais uma vez
no
coração dos boatos
para Uilcon
Pereira - in memória
biútim evaristim evaristoa passava sem querer pelos telhados assombradados in braziLírica com seu minúsculo gravadorzinho de bolso quando percebeu no jaburu um vozerio estranho como um escárnio ao povo de bizâncio, o vampiro das planilhas dialogava azedamente com o bandido das neves, combinando os pagamentos das operações ocultas, obras invisíveis lá pelos quebra mares do porto de santos.
depois de captar todas as falas, vozes, de mais alguns fantasmas presentes no palácio, biútim entregou seu gravadorzinho aos delegados do presídio de absinto e como nunca teve a ilusão que o seu trabalho fosse resultar em alguma coisa sua gravação foi arquivada, e o seu gravadorzinho foi queimado pelos bispos/pastores/deputados/senadores da igreja universal, para constatação da invasão neo-pentecostal pelos telhados braziLíricos, onde tudo termina na avenida nos enredos su-reais do carnaval
nu – literalmente - nu
afio ainda mais
a palavra/faca
sílaba/estilete
pornofonia/gilete
poema/navalha
tonicidade/canivete
tudo arma branca
subversão bandida
malandragem
mallarmagem
da mão esquerda e torta
para cortar o mofo que viceja
em cada voragem morta
vez em quando
re-inventosagaranas
fulinaímicas/linguagem
toco fogo na mortalha
sem metáfora ou retreta
dispo as fardas/literagens
fico nu ao pé da letra.
o fauno e a flauta
para daniela pace pela imagem musa
o fauno lê baudelaire
do outro lado da trama
enquanto dorme a donzela
com uma rosa entre as coxas
o fauno traça o poema
na geografia do corpo
atravessa o vértice do tempo
com o seu falo flamando chamas
por não ter juízo algum
com sua flauta ele toca
pétala por pétala
a porta de entrada
o portal do paraíso
sem pensar pudor nenhum
o lugar da memória
ou
metalírica antropofágica
em são pedro de alcântara
não foram apenas os nomes
entre os casarões coloniais
do século dezenove
que movem as pedras
carcomidas
do cais
na
sala do bistrô
ela me matou a fome
feijão tropeiro no prato
no prato feijão tropeiro
a
língua no espírito santo
experimenta
a pimenta
pimenta
do espírito santo
na
língua novo tempero
mágica
metáfora
fábula
primeira
pavio de lamparina
faíscas
claras na gema
entre os pelos daquela mina
o fogo o meta/poema
vai queimar a carne inteira
o poeta enquanto coisa
por um poema
que desconcerte
entorte
desconforte
arrombe a porta
dos céus
da tua boca
arranhe
os dentes
da loba
arrebanhe os cordeiros
no pasto
e lhes ensine
a subverter
as ordens do pastor
assumo
o risco
não sou demo
nem corisco
eu sou cantor
o poeta enquanto coisa 1
bashô
um TorQuato aqui
re-encarnou
toda
viagem de volta
transpoema
que o vento não levou
tua lã
fosse meu linho
fosse clarice
uma mulher aos trinta
em tudo que ainda sint(r)a
como um mar pulsando ostras
beijaria o sal nas tuas
coxas
entre deuses céus infernos
fosse sagrado – não profano
nossos desejos mais e-ternos
fosse nu – corpo sem panos
como o vento nos vinhedos
em teus cabelos – desalinhos
os teus poros nos meus
dedos
tua lã fosse meu linho
tua língua entre meus dentes
em nossas bocas tinto – vinho
olho gótico TVendo
a cidade se concreta
a cidade se abstrata
o poeta então retrata
com um olho em quem te ama
o outro em quem mal trata
brazílica
para Lília Diniz
goiáis cerrado bordado
vestido de coralina
as vezes me deixa encantado
outras vezes me alucina
me transforma em leopardo
nas garras dessa felina
piqui fruto do mato
olho de boi visgo de jaca
jaraguájaquatirica
ceilândia olho de vaca
taguatinga em meu retrato
onça em mim significa
sabor de carne mordida
lambida até o caroço
na boca da bia morena
planaltina ou plano piloto
que mora na carne/poema
das minas do lago norte
na flor medula no osso
sem alarde euforia
alvorada ou alvoroço
o corpo da palavra corpo
o seu corpo/poema
pede-me silêncio
ou algazarra?
farra
de bocas pernas coxas
línguas e dedos
nos recantos mais profundos
por onde dorme o teu desejo?
carícias delicadas
pela nuca
em torno da orelha
lábios deslizando
ao redor do teu umbigo
o que o seu corpo/poema
quer viver comigo?
o seu corpo/poema
no deserto das delícias
é escorpião ou percevejo?
é calmaria
ou tempestade
no alto mar da liberdade
pede-me noite ou claridade
é só amor ou desejo
e
implora-me
desesperadamente
os mais selvagens beijos?
fulinaimânica
eu quero
mais a carNAvalha
me encanta mais teus olhos
que o plano piloto de brasília
o palácio do planalto o alvorada
me encanta mais
as mãos da namorada
que a bandeira do brasil
o céu de anil a tropicalha
quero muito mais a carNAvalha
que a palavra açucarada
quero a palavra sal
o suor da carne bruta
a flor de lótus o cio da fruta
mesmo quando for somente espinho
me encanta os pés que a lata chuta
por entender que a vida é luta
para abrir novos caminhos
me encanta mais na lama o lírio
a flor do lácio
os olhos da minha filha
que o ouro dessas quadrilhas
que habitam esses palácios
antes que se assuste
com o mínimo reajuste
nas contas do teu salário
te digo nobre operário
3 podres poderes prestam serviços
a banqueiros empresários salafrários
de forma vil cruel - injusta
defendem sempre a própria causa
como fosse justa causa
como fosse causa justa
poéticas
secretas
poética 1
para
carolina barbato
tua voz ecoa
marulha um mar
de um outro cais
e vens em ondas
solos de cristais
acordando algas
cavalos marinhos
peixes abissais
rouca elétrica
essa garganta lírica
de vocais intensos
quando teu ser eu penso
como um som atávico
de milhões de Eras
nas línguas da história
que os meus ouvidos híbridos
ainda ouvem na memória
poética 2
o meu amor
é um relâmpago
um coice nas trovoadas
caldeirão de raios elétricos
em noites de singapura
algumas noites é ana
nas madrugadas é vera
na cama somos bacantes
mil giga bytes um tera
muito mais que tri amantes
no plug me acelera
arranca do chão os meus pés
me lança na atmosfera
ela - a louca de espanha
medusa da inglaterra
meu corpo tua quimera
enterra suas sete cabeças
enquanto me diz - espera
me morde me lambe - me lanha
com suas unhas de Hera
poética 3
fosse alana
clara clarice ana
angélica isadora nathalia beatriz
a voz calada na fala
em tudo que não me disse
em tudo o que não me quis
fossem girassóis nos cabelos
o vinho num tal chafariz
suor escorrendo em teus pelos
na flor que van gog me diz
teus olhos cravados no espelho
o poema que ainda não fiz
poética 4
cavalga cavala
com teu dorso no horizonte
ventania
as crinas soltas ao tempo
por onde voas cosmogônica
por onde velas calmaria
pássara de 7 patas
pisa teu corpo no vento
nas metáforas dalquimia
vênus eros na estrada
a velocidade do fogo
vestida de nua in/plumas
felina aranha nas pedras
com suas entranhas de mar
com tuas línguas de raio
por essas tarde desmaio
flor - em teus cios
plantar
a
solidão extravasa
o silêncio
em altas doses de tensão
quando me calo
ou falo
entre sílabas
nas entre linhas
do poema
no teatro
ou no cinema
palavra/som
palavra/gesto
e o resto da metáfora
na mínima pausa
quando só
me deito em folhas
de papel para escrever
o que agora re-invento
assim esc(r)avo
e assim escrevo
com o de dentro
e o de fora
com o de fora
engenho dentro
poética 6
teus olhos
velam mistérios
teus olhos
guardam segredos
um mar de verde/amarelo
azul de um tempo abstrato
tempo de chumbo tenho medo
branco na íris retina
teu agro negócio asiático
teus olhos
serpentes da china
assassinos daquela menina
com teu veneno enigmático
poética 7
enquanto você pensa intensifico na voragem a vertigem que me
dá quando você não diz o fio esticado entre um espaço e outro do corpo na
distância geográfica me faz pensar a estrada que me levará até onde ainda quero
estar enquanto você pensa deliro piro desfaço
qualquer sentido de razão que ainda poderia existir em alguma sã consciência já
pensei algumas vezes um projeto de psicanálise popular – um divã em cada
esquina – pode me chamar de louco maluco pirado clarice me ensinou a não ter
limites de estados ultrapassar fronteiras da insensatez e deixar a razão para
os sensatos
poética 8
o que isadora me diz
quando musa em meu poema
apenas lê em silêncio muda
ou se transnuda em sua casa
e devora os preponemas
como um pássaro cria asas
e sobrevoa minha carne
no litoral de ipanema
poética 9
no silêncio do quarto
beijo tua boca ainda suja
do vinho que sobrou
depois da trama
o
relógio na parede marca
a hora que entramos
na
cama do hotel
só cabem nossos corpos
dentro do poema
afrodite
ainda tonta
sai da trama
e segue pro cinema
poética 10
nem todo segredo é secreto
nem todo segredo é guardado
o corpo mesmo dentro dos panos
no espelho é revelado
amor mesmo quando profano
tem muito mais de sagrado
poética 11
quanto mais me fragmento
muito mais me multiplico
nos múltiplos sentidos
para alcançar-te pluma plena
no corpo da metáfora
onde meu corpo
é ágora
nu teu colo
preso
toda carne queima em brasa
no nosso poema aceso
poética 12
o poeta enquanto coisa
desliga as luzes do quarto
deita no chão da sala
na fala dos seus guardados
a
musa pelos telhados
voa em algum
balão
como fogos de artifícios
em
versos de lua cheia
em cordéis
de são joão
poética 13
o que tem essa mulher que me
delira
o que tem essa mulher que me deleita
o que tem essa mulher que me provoca
o que tem essa mulher que me estreita
o que tem essa mulher que me espreita
o que
tem essa mulher que me transporta
leoa na selva que me caça
ou uma grande mulher quando me toca
poética 14
tua blusa de seda
entre meus dentes
o nó se desfez depois do vinho
sob
as folhas dos parreirais
vale - os vinhedos
quantas vezes eros
eletrizou os nossos dedos?
poética 15
antítese/antígona
ou seja lá que nome for
ou o que quer que seja
o preto no azul
o azul no preto
hipotenusa no cateto
cateto na hipotenusa
e os dedos da minha musa
sa(n)grado entre
meus dedos
poética 16
clarice
em tudo que ainda não disse
em tudo o que ainda disser
nas páginas de um livro branco
quando come
um chocolate
ou livro que ela quiser
quem sabe vento de maio
no ímã do para-raio
flores do mal desfolhasse
nas pétalas do bem-me-quer
no carnaval
quarta-feira
clarice a porta/bandeira
do mestre/sala federico baudelaire
poética 17
a chuva ácida desce entre os
relâmpagos
rasteja um verme sobre o chão de fósseis
os faróis do caos me anunciando tempos
onde os templos corroídos se desabam
sob os céus cinzentos barcos movimentos
não encontram cais nesse mar de Eras
para o nunca mais
poética 18
para
jiddu saldanha
os gumes da minha faca
ainda estão a bem afiados
quando furam sangra
rasgam o pano
não é
fake nem funk
é um punk koreano
poética 19
eu sou a língua da faca
eu sou os gumes da pedra
eu sou o filho da puta
iansã é quem me lava
oxossi é quem me leva
ogum é quem me manda
oxum é quem me guarda
iemanjá que me resguarda
xangô é quem me guia
sou o diabo giramundo
por justiça e poesia
poética20
sagaranicamente
eu te provoco
toco teu corpo
com meus dedos
mordo tua carne
com meus dentes
sagarinicamente
com meus olhos de lince
poeta é o quanto devoro
e oro para são jorge
em seu cavalo andaluz
enquanto na vitrola rola um reggae
nos lençóis da cama rasgo um blues
poética 21
ela me espora
explora o corpo nu
agora e sempre
lambe a pele das palavras
lavras
do meu ser em pelo
em arcozelo
vi teu olho azul
de mar
oceano entrando
gasômetro
cais do porto
no meu corpo dentro
todo barco em movimento
o fato
que descortina
a sina
de amar-te em parte
pela arte
de saber-te musa
que me usa
em febre
pele músculos pela noite
nossa
o que quer que eu possa
quando o corpo clama
toda água ou sangue
pelo sal do mangue
mesmo em santa ceia
quando a carne chama
tudo
está na veia
poética 22
não que eu não queira o que pensa
do que falo - no tempo da memória
agora o que me chegou veio no cosmo
micro processador de vento
creio - não invento
agora o que me fala no meu
diafragma
o magma desse solo tem fermento
não como do engenho da rainha
nem piso em outro solo nesse chão
na roda do tempo - cata-vento
o trigo da farinha ainda é massa pro meu
pão
poética
23
vi seu coelho no colo
escrevi este poema solo
comendo uma tarde de música
meu olho em teus lábios na lírica
a língua no paladar dédala um
bebi dois copos de rum
falamos de deuses e mares
em códigos e signos estelares
em verdes folhas de oxossi
entregue-me aos desígnios de ogum
poética 24
para lucia muniz de sousa
naquela manhã
de sol em ubatuba
lambi o ácido que caiu depois da chuva
cheirei
resíduos da resina em caraguá
e a toxina que entranhou naquela uva
caiu da lágrima que bebi do teu olhar
carnaval em iriri
euGênio
mallarmè
veio na arca
de noé
pelo mar
de guarapari
despiu seus
cornos gigantes
no instante do
lança chamas
irina vê e me
chama
olha a rúbia
querubim
vestida de de
minisaia
quem sabe
tomara que caia
no rio
itapemerim
em noites de
ouro preto
no colo do
serAfim
a cor
da tua palavra me conforta
porta que se abre pra beleza absoluta
a vida que tivemos na matéria bruta
a sorte de nascer dentro do norte
na felina
selvageria da pantera
o sal que temperou as nossas eras
na pele do
tempero ruptura em cada corte
e ao mesmo tempo é voz que predestina
que o
poeta não vai morrer antes da
morte
poética 26
viajo para muito além do corpo
onde habito no buraco
mais pro fundo
dos sentidos abstratos
no abstrato um samurai
onde o concreto nem de longe
significa o quântico
do amor que ainda
trai
para ronaldo werneck
foto grafias
foto gramas
pomba rio
pomba minas
rio prece
rio drama
minas tomba
esquadro poema pátrio
partido país penetrado
por quem descobriu a pólvora
pavio explodindo chamas
paiol nas colchas das camas
de um país esfarrapado
poética 28
funk dance
funk
para
sebastião nunes
a noite inteira invento Joplin na fagulha
jorrando Cocker na fornalha
funkrEreção fel fala
fábio parada de lucas é logo ali
trilhando os trilhos centrais do braZil.
rajadas de sons cortando os ínfimos
poemas sonoros foram feitos para os íntimos
conkretude versus conkrEreção
relâmpagos no coice do coração.
quando ela canta Eleonora de Lennon
lilibay sequestra a banda no castelo de areia
quando ela toca o esqueleto de lorca
salta do som em movimento enquanto houver
e federika ensaia o passo que aprendeu com mallarmè
punkrEreção pancada
onde estão nossos negrumes?
nunkrEreçãonegróide nada.
descubro o irado tião nunes
para o banquete desta zorra
e vou buscar em madureira
a Fina Flor do Pau Pereira.
antes que barro vire borra
antes que festa vire forra
antes que marte vire morra
antes que esperma vire porra,
ó baby a vida é gume
ó mather a vida é lume
ó lady a vida é life!
poética 29
aqui fisiologia não rola
nem coca
nem cola
nem bala
nem bola
não ponho mordaça na escola
nem coca cola na pia
não vivo pedindo esmola
não vivo de fantasia
fisiologia aqui não cola
o que rola aqui é poesia
poética 30
irina quem diria
a sua pele grafia
em minha íris retina
come
algas cristalinas
no brumal da maresia
no mar de amaralina
em salvador da bahia
poética 31
qual o filme
que não passou
na minha infância
que não vi?
em cada instância que vivi
contém cenas cinematográficas
paixão atávica - pedra dourada
ainda te sinto agora
não me completo
sem essas imagens
que carrego impregnadas
nas entranhas
por onde quer que vim
por onde quer que eu vá
levo-te cacomanga
como um moleque
que ainda pula cercas
para roubar as frutas
que chupei em teu pomar
poética 32
e noélia ribeiro
como pode ser assim
tão enquadrada
eixo por eixo
quadra a quadra
com as linhas abstratas
na argamassa do concreto
como pode ser também
tão feminina
mesmo não sendo mais menina
musa assim por tantos anos
na arquitetura se completa
e continua, nunca finda
no imaginário
do poeta
poética
33
olha aqui preste atenção
eu não sou cão
mais inda ladro mordo
mastigo trituro até sangrar
vivo entre o deboche
o sarcasmo o escárnio a ironia
balbúrdia na devoração
quando passo em casemiro de abreu
me bate no peito uma barra de são joão
a prainha o cemitério
o amor o sexo a maresia
essa vertigem onde mora
as minhas vãs filosofias
poética
34
agora que essa paulista
dorme em minha cama de ferro
mordendo meu calcanhar
com suas unhas de concreto
dou um tapa na angélica
ouço tom zé dentro do carro
tiro um sarro na augusta
nesta noite tropicana
em carNAvalha antecipada
para mim o que é que custa
beber da lira paulistana
ou devorar a paulicea desvairada?
poética 35
não tenho o que dizer
de quem não diz
amor uma palavra gasta
pra
ser feliz
preciso
muito pouco
e que
assim seja
uma cerveja
re-ler
poeta louco
já
me basta
poética 36
naquele mar de música
toda meta física
pela tarde quântica
comunhão e prece
no sentido oculto
dos teus olhos raros
onde o poema tece
em teus seios claros
o
amor bem vindo
à
flor da pele lumiar
e a
correnteza tudo leva
o sal
na pele tudo lava
e se
a carga pesa
o
banho descarrega
na gira de ogum à beira-mar
poética 37
fosse o amor não apenas
essa faca de dois gumes
carnavalha vaga-lumes
beijo de uma deusa morta
não poema em linha reta
apontando a linha torta
fosse o amor não apenas
esse poema/punho
ereto
numa estrada semi/morta
não seria eu poeta louc0
a destilar baba saliva
onde o absinto é muito pouco
para a carne crua sempre viva
que se esconde atrás da porta
enquanto escavo a seiva
entre o vão das suas coxas
para desfrutar do teu cio
e santificar o nosso ócio
a
selva amazônica perde
mais 200 mil hectares de mata virgem
para as moto serras assassinas
desse venal agro negócio
poética 39
a metafísica da metáfora
está entre dois corpos
que se tocam na distância
e vão ficando
como num encontro corpo a corpo
mesmo num mesmo lugar
os dois corpos não estando
poética
40
este poema te segue
te vigia
te espreita
em cada palavra
cada letra
cada sílaba
o fonema a metáfora
percorrem a pele do teu corpo
como fossem minhas mãos
boca dedos língua unhas
e te entregas ao poema
em santíssima comunhão
porque estás já dentro dele
sem ter como dizer não
poética
41
ela me desafia
me envia a língua
por entre minhas cochas
me lambe
me morde
me come
me chupa
eu desfruto o gozo
no meu corpo amazônico
sem dor sem medo sem ais
meu corpo pasto
para todos os animais
poética 42
enquanto coloco este poema
em teu e-mail por inteiro
o congresso nacional
arquiteta mais uma conspiração
contra o povo brasileiro
poética 43
a
percepção acho que é um dom uma descoberta um pássaro que pousa em nossa cabeça
e nos atira aos fios elétricos do corpo liberdade vem de dentro do motor dos músculos os ponteiros que só se movem
quando querem o repouso absoluto é uma forma de silêncio não vejo muita graça
em ser sozinho solidão as vezes faz bem noutras assusta mas sou tenho um amor
que ainda não me diz abertamente do diamante que mora dentro dele mas toco a
música dela tem itálias e palavrões as vezes quando me pergunto onde vou nem
sempre tem resposta aliás respostas é o
que menos tenho encontrado para as 25 mil perguntas paradas no ar o rascunho dos meus primeiros dias ficou
esquecido numa tipografia do tempo emoldurado na tinta que mudou de cor
poética 44
na pedra do sossego
eu me abstenho
na pedra do sossego
eu me abstrato
na
argamassa dos teus olhos
me preservo
na
pele dos teus dedos
meu
barato
nos
mamilos dos teus seios
me concreto
no
cio do teu corpo
eu me retrato
poética 45
a tessitura da palavra perda
me provoca sobressalto
atiro a pele para o alto
e salto para o abismo do poema
poética
46
cato cacos de vidros
nos azuis lâminas
de fogo nesse olho d'água
algas de pedras nesse tempo ostras
antes das horas que o dia tarda
e os tiranos cessem seu torpor maligno
cato caco de vidros nessa areia
carma
e provo o sal o sangue o sexo a saliva
o cio dessas horas tontas
curuminha ainda chora espuma de isopor na areia no país onde ela mora o lixo que se vê na praia não vem na barriga da arraia no bico da cegonha ou no rabo da sereia
poética
47
eu
sou o elo
a ponte
entre um lado
e outro do nada
nonada - infinito
rio
o grito do silêncio
quando estou no cio
a fome de ter
no sumidouro
me declaro sua
e até serei
entre o ser e o não ser
alguma coisa
que ainda não sei
Rúbia Querubim
poética
48
em tudo que alana não disse
teus lábios molhados
talvez só quisessem
a língua lambendo clarice
na hora do amor se fizesse
um livro com hora marcada
no instante que ela quiser
na ora H de clarice
em ana nascendo a mulher
poética 49
não tenho nome
me chamam muito
coletivo de animais selvagens
enxame matilha manada
nas encruzilhadas
se desfazem sobrenomes
se consomem
carnes sangues nervos ossos
enquanto o mel se desvai na teia
eu me basto
mastigando os restos da santa ceia
poética 50
sigo a trilha
traço o trilho
a língua tralha
quando um troço
no tropeço dá na telha
a saudade então me trampa
quando ali ela me trapa
no meio do caminho
de manhuassu
em são sebastião do sacramento,
n´alguma cruz meu juramento
na casinha abandonada
dos alcoólicos anônimos
o amor foi quase um trampo
o amor foi quase um nada
poética
51
para
silvia helena passarelli
a estrutura do poema
tem o tamanho da tela
no lado esquerdo da parede
da sala do apartamento
formando 7 elementos
com palavras movimentos
na porta do elevador
na espessura da tinta
na tessitura da cor
no som que vem da cozinha
e se espalha no corredor
a estrutura do poema
está na gravura do livro
que fala em 7 cidades
onde uma é veracidade
seja a cidade onde fica
seja a cidade benfica
seja a cidade onde for
poética 52
tempo
de silêncio
tempo bom
ouve-se o íntimo do som
poética 53
um peixe mergulha
um outro nada
como não tenho um
outro
nada a te oferecer
te ofereço flor de cactos
flor
de lótus
flor de delírios
ou mesmo sexo
sendo flor ou faca fosse
os
poemas ácidos
em meus nervos óxidos
te ofereço tudo
sem nenhum apego
minhas arte/manhas
meu desassossego
poética 54
o
silêncio é uma arma poderosa
quando não sabemos se o inimigo
vai nos atacar com poesia
ou se defender com prosa
poética
55
ainda
que fosse
ou que não fosse
você me dissesse o que sente
eu te dissesse o que sinto
não mudaria a cor do tijolo
daquela parede preta
nem ao menos saberíamos
quem pintou
ou qual a marca da tinta
que ali foi usada
por isso não creio
em sentimentos
que não transformam
o que vi vemos
poética 56
paixão é
quando
linguagem de cinema
corta o verso pelo avesso
a cena segue em outra dimensão
sem seta rumo
sem endereço
como se a nova meta
sem meio fim ou começo
enlouquecesse o coração
poética
57
sinto tudo de você - me
vem
sinto tudo de você meu bem
sinto tudo de você que nem
meus zóios tristes no
trem
nos trilhos por onde vais
por pero vaz e caminhas
por um brasil do nunca mais
poética 58
o poema é um silêncio dentro de um copo vazio de gin um beijo
sujo de asfalto bêbado num boteco em botafogo olhando o pão de açúcar como um
Cristo redentor do amor não consumado stela ainda
passeia direto na veia o mar revolto em são conrado o sangue da curuminha no
hotel nacional e a vida se esvai na rocinha nessa cidade partida no olho do
corcovado desfiando as flores do mal
poética 59
elis tem o sal do mar
na língua - e me lança
ondas num lance de lamber
meu cais - me atira
sobre as vagas
quando estou em calmas
porque sabes que me tens
nos temporais
preciso atravessar
o impreciso
no branco do papel
quando pressinto
a
lentidão de alguma lesma
no absinto
de mym mesma
eu rabisco azulejos
no azul da tuas pedras
na língua quando te beijo
na boca que não medra
vale dos vinhedos
hora do almoço
a boca com gosto de repolho roxo
salada de pimentão vermelho
beterraba - codorna temperada
com os vinhos das outroras
para o churrasco das colônias
bem na quinta das senhoras
com legumes
e frutas de quintal
colhidas
pelas nonas antes do vendaval
as falas sobressaltas falas
vozes escancaradas sobre as mesas
a brasa da pimenta é viva
quase tudo de bom vem das
surpresas
o sabor da uva o agridoce das pitangas
o licor curtido das amoras
como o fogo dessa flor nativa
é o beijo que me deste agora
poética muito prosa
a paisagem atrás da praia é
abstrata quase oculta invisível a mulher que escondeu o sol dentro das ondas e
recolheu os peixes por entre as coxas depois de beijar espumas pela areia passeava
as 3 da tarde depois da oficina cine poesia na pedra do arpoador
federika recolheu as ovas de
namorados espalhadas nas encostas agradeceu aos pescadores do posto 6
mergulhou as iguarias numa sacola de
plástico seguiu para casa feliz pensando o banquete de omelete para comer depois da noite
entre os lençóis da sua cama plástico das suas cortinas de vento
amar/a/lírica
bebo teus olhos
dentro da noite escura
de onde me vens criatura
que me consomes na fala
quando me olhas se cala
no seu profundo pensar
mergulho no teu silêncio
pelos mistérios do cio
pelos segredos do ar
o que me trazes do rio
o que me teces no fio
o que me levas para o mar
profanalha nu rio
a flecha de são sebastião
como ogum de pênis/faca
perfura o corpo da glória
das entranhas ao coração
do catete ao largo do machado
onde aqui afora me ardo
como bardo do caos urbano
na velha aldeia cariOca
sem nenhuma palavra bíblica
e muito menos avária
orgasmo é falo no centro
lá dentro da candelária
dentro do arame farpado
esse poema enterrado
para nunca mais sair
sabre que
sangra
não tenho nada contra
muito menos a favor
não sou do tipo isso e aquilo
tenho um kilo de farinha
dentro da caixa de isopor
a latinha sei o quanto custa
e pago o preço
pra beber por onde esteja
vinho conhac cerveja
no meu bolo de cereja
só não cabe quem não for
não sou do tipo
sangue de porco no chouriço
fulinaimânico mestiço
você sabe o que é isso
entrar pela porta de serviço
pela pele da minha cor
você não sabe quanto custa
o preço da minha ira
o custo do meu amor
sou eu quem sabe onde o sabre
sangra sem dó - a minha dor
santíssima
trindade
o olho clínico não responde
fechou o livro na vigésima
sétima página
eu
fico sem saber o que pensa
da minha crença no naturalismo
das coisas que ainda não tem nome
se a
fome é meta física
ou a meta é sobrenatural
se tesão
é força quântica
reação
química ou apenas
a parte mais intensa
de uma transa casual
subversãopoética
duvido do poeta
que nunca amolou a língua
afiou a faca
atirou a pedra
saltou da ponte
para o outro lado da linguagem
duvidodo poeta
que nunca escreveu sagaranagem
explodiu a fala
saltou para dentro do abismo
de qualquer palavra
no poço fundo da voragem
duvido do poeta
que nunca pensou fulinaimagem
não sabe o que é drummundo
nem mergulhou mais fundo
em algum corpopoema
nunca quebrou a meta
na carne da metáfora
duvido do poeta
que nunca arrombou a porta
nem assaltou janela
quem não entortou a linha reta
não sabe quando beta
alpha
não sabe quando alpha beta
terra/mãe
agora que pairas sobre o tempo
quando o tempo ainda é tempo
ou quando invento no meu corpo
este teu tempo de existir
e re-invento o que ainda não existe
ou
quando o tempo já se foi
sem sequer se existisse
ou se não visses tudo em ti
se já passou
agora mãe
é quando terra ainda me lembro
de algum tempo
na ferrugem que ficou
roendo os ossos dos meus dedos
não tenhas medo
de dizer que ainda é cedo
se alguma lágrima
sai do tempo que brotou
tempestade/temporais
eu
sou avesso
atravesso
a cidade
com
o que me interessa
as
vezes sou sossego
outras
vezes tenho pressa
não
procuro o que não quero
me
abstenho no que faço
me
abstrato quando posso
me
concreto em cada passo
o
compasso é argamassa
o
absinto quando traço
uma
linha nunca reta
da
palavra em descompasso
se
sou torto não importa
em
cada porta risco um ponto
pra
revelar os meus destroços
no
alfabeto do desterro
a
carnadura dos meus ossos
ma cum ba
abaráebóubu axé babá
nacarnavalha dos tambores
o corpo incorpora o tempo/dança
a língua de exu
lambe as coxas de yansã/menina
os pelos/púbis ossanha
embaixo dos tecidos
palavra líquida lavra pelas pernas
Eros eletrizando peles bocas pelos
gritos enquanto o rito
segue
seus ancestrais preceitos
ma cum ba no meu peito
xangô meu feiticeiro
oxum encanto
tantas línguas
cantam pra tirar
quebrando
de algum corpo nem santo
quando ogum vem pro terreiro
anjo torto
eu sou o que interpreta
e desafora
a capitã do mato
metáfora
meta
dentro
meta fora
que a meta desse trem agora
é seta nesse tempo duro
meta palavra reta
para abrir qualquer trincheira
na carne seca do futuro
meta dentro dessa meta
a chama da lamparina
com facho de fogo na retina
pra clarear o fosso escuro
psicótica
– 67
não frequento academias
físicas – e muito menos literárias
minha palavra avária
está à beira do precipício
nem sei porque não continuei
internado no hospício
onde choques elétricos aconteciam as tantas
no manicômio henrique roxo
na cidade de campos dos goytacazes
onde a medicina psiquiátrica
era exercida por capatazes de médicos açougueiros
e um capixaba de nome vespasiano
não resistiu ao surto
explodiu a cabeça contra a parede
e nenhum jornal da cidade
noticiou o suicídio
que eu trago na lembrança
como dentes encravados
na memória
meta/fórica
ouço a música
nesse disco estrangeiro
a musa tem o nome: guanabara
no silêncio ela ri da nossa cara
a flor do mangue agora mora
onde seu leito jorra lama
por sua boca desdentada
peixe podre explode angra
em meu poema carNAvalha
naturalismo onde supunha
sal da terra no esgoto
eco sistema não interessa
ao senhor do mato grosso
agro-negócio é matadouro
soja pasto para os bois
o simbolismo da escrita é só metáfora
a concretude o modernismo vem depois
*
Texto em homenagem ao Poeta Artur Gomes – Na 11ª Mesa-redonda
Poesia Visual Contemporânea, no CCJF Cinelândia – Rio de Janeiro
por
Paulo Sabino
Ao fim de Memória de Fogo, peça teatral em temporada neste
Centro Cultural até domingo passado, SadyBianchin, ator, diretor, roteirista e
um dos responsáveis pelo texto do espetáculo, depois de fazer vários
agradecimentos, fez um que, segundo ele, era o mais importante de ser feito: o
agradecimento a plateia. Isso, porque, para SadyBianchin, à realização de um
espetáculo teatral, podem faltar luz, a trilha sonora, o figurino, a maquiagem,
o cenário; podem faltar todos esses itens. Porém, duas coisas são imprescindíveis
para que a magia do teatro aconteça, para que o espetáculo possa realizar-se o
ator e o público. Sem ator e público, a apresentação torna-se inviável. É dessa
troca, entre ator e plateia, que uma apresentação teatral torna-se possível.
Saí da sala, após o espetáculo, com essa sábia perspectiva
levantada pelo Sady e, naturalmente, eu transpus, para a minha vivência com a poesia: eu, Paulo
Sabino, que adoro realizar saraus, encontro poéticos, a interação entre poetas
e seus leitores, sei o quão importante é, para um poeta com esses mesmos
interesses, ter em suja plateia, aqueles que comunguem da sua paixão maior. E
hoje o Centro Cultural da Justiça Federal, a convite do curador deste evento, o
querido Tchello d´Barros, eu tenho o prazer a alegria de prestar essa homenagem
a um poeta cujos nome e sobrenome podemos perfeitamente trocar por “palco”, “ribalta”, “proscênio”, “sarau”,
“encontro literário”, oficina de arte cênica”, “festival literário”, porque seu
movimentos em prol da poesia está em perfeita sintonia com os espaços onde se
dá, onde acontece, a magia da poesia falada: este poeta é o grande e super
querido ARTUR GOMES.
Falar de ARTUR GOMES é falar de um dos maiores responsáveis
pela manutenção e preservação de espaços onde desfrutamos da troca que é
imprescindível às artes cênicas troca
entre poeta e plateia. Falar de ARTUR GOMES é falar de um dos poetas mais
atuantes na manutenção e preservação de
locais onde a poesia falada, a poesia oral, a poesia trocada pelo verbo, é a
grande estrela. E nesse seu esforço de manutenção e preservação desses espaços,
ARTUR GOMES é dos poetas que mais roda o Brasil, participando de inúmeros
saraus, festivais, encontros e festas literárias, ao longo de sua extensa
carreira artística, mas de 40 anos dedicados à palavra – a grande musa e amante
de qualquer poeta.
Nestes 45 anos de carreira, contabilizados a partir do ano de
lançamento do seu primeiro livro de poesia, Um Instante No Meu Cérebro, 1973,
ARTUR GOMES, no seu amor pela palavra, e de modo abrangente, no seu amor pelas
artes, desenvolveu uma série de outras frentes de trabalho: além de sua atuação
como poeta, ARTUR GOMES é um artista multifacetado, um artista antenado a
diversas linguagens artísticas, como o teatro, a fotografia, o audiovisual e a
performance.
Para que todos os presentes tenham ciência do que digo, de
1985 a 2002, o poeta dirigiu a “Oficina de Artes Cênicas”, do CEFET-Campos,
hoje, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense. De 2011 a
2012, coordenou oficinas de produção audiovisual, na mesma instituição de
ensino. Em 1999 criou o FestCampos de Poesia Falada, que até hoje é realizado
pela Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, em Campos dos Goytacazes. De
2014 a 2016, esteve à frente das oficinas de teatro no “Sesc Campos”. Em 2017
dirigiu o curso de teatro multi-linguagens, no SINASEFE (Sindicato Nacional dos
Servidores Federais de Educação Tecnológica), núcleo do Instituto Federal
Fluminense. Atualmente, ARTUR GOMES é professor de interpretação, do Curso
Livre de Teatro, da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, em Campos dos Goitacazes,
no estado do Rio, e apresenta a performance “Poesia Viva Poesia” que já conta
com mais de uma centena de apresentações. Mês passado ele participou do 1º
Festival de Brasília da Poesia Brasileira, e este mês, hoje, está aqui
participando da 11ª Mesa-redonda sobre Poesia Visual Contemporânea.
E a presença de um poeta multifacetado, como é ARTUR GOMES,
nesta noite, não é mera coincidência. Quando pensamos ou falamos em poesia
visual, não podemos jamais, desvincular esse tipo poético do nome ARTUR GOMES.
Desde o início dos anos 80, ARTUR GOMES é uma voz que dá voz-espaço à poesia
visual. Em 1983, criou o projeto “Mostra Visual de Poesia Brasileira”, com o
objetivo de reunir, num mesmo espaço físico, todas as linguagens poéticas
contemporâneas. Em 1993, na sua décima edição, em parceria com o “Grupo Livre
Espaço de Poesia”, a MVPB (Mostra Visual de Poesia Brasileira) foi realizada
pele rede SESC-SP, em homenagem ao centenário de Mário de Andrade, que culminou com o prêmio de “Evento do Ano”,
concedido pela APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte), ao Grupo Livre
Espaço de Poesia.
Por muito, portanto, a homenagem prestada ao poeta precursor
da poesia visual é mais do que justa. Encerrando a minha participação saúdo a
poética de ARTUR GOMES lendo um poema do livro que o poeta lança neste evento,
o Juras Secretas, e autografa assim que eu me calar.
Jura secreta 89
não sou um anjo certo
estou sempre anjo torto
mas se fizer de mim
anjo da guarda
te guardarei a sete chaves
no armário do meu corpo
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