
voragem
não sou casta
e sei o quanto custa
me jogar as quantas
quando vejo tantas
que não tem coragem
presa a covardia
eu sou voragem
dentro da noite veloz
na vertigem do dia
Federika Lispector
https://fulinaimacarnavalhagumes.blogspot.com/

fruta farta
amoras
nus - teus pelos
quantas línguas
já provaram
mangas
na carne ancestral
da uva roxa
pra desbravar
o sexo
no pomar
das tuas coxas
Artur Gomes
www.suorecio.blogspot.com

Jura Secreta
não fosse essa jura secreta
mesmo se fosse e eu não falasse
com esse punhal de prata
o sal sob o teu vestido
o sangue no fluxo sagrado
sem nenhum segredo
esse relógio apontado pra lua
não fosse essa jura secreta
mesmo se fosse eu não dissesse
essa ostra no mar das tuas pernas
como um conto do Marquês de Sade
no silêncio logo depois do susto
Artur Gomes
www.secretasjuras.blogspot.com


pele grafia
meus lábios em teus ouvidos
flechas netuno cupido
a faca na língua a língua na faca
a febre em patas de vaca
as unhas sujas de Lorca
cebola pré sal com pimenta
tempero sabre de fogo
na tua língua com coentro
qualquer paixão re/invento
o corpo/mar quando agita
na preamar arrebenta
espuma esperma semeia
sementes letra por letra
na bruma branca da areia
sem pensar qualquer sentido
grafito em teu corpo despido
poemas na lua cheia
Artur Gomes
Juras Secretas
Editora Penalux – 2018
www.secretasjuras.blogspot.com

em tudo que Ana não disse
teus lábios molhados
talvez só quisessem
a língua lambendo Clarice
na hora do amor se fizesse
um livro com hora marcada
no instante que ela quiser
na ora H de Clarice
em Ana nascendo a mulher
Cristina Bezerra
https://www.facebook.com/onomedamusa/
Jura secreta 101
fosse Clarice
uma mulher aos trinta
em tudo que ainda sint(r)a
como um mar pulsando ostras
beijaria o sal nas coxas
entre deuses céus infernos
fosse sagrado – não profano
nossos desejos mais e-ternos
fosse nu – corpo sem planos
como o vento nos vinhedos
em teus cabelos – desalinhos
os teus poros nos meus dedos
tua lã fosse meu linho
tua língua entre meus dentes
em nossas bocas tinto – vinho
Artur Gomes
www.fulinaimargem.blogspot.com
toda nudez não será castigada
leia mais na página https://www.facebook.com/giginua/photos

Pele
Um favo de mel na boca
um torrão de sal na anca
roubam para a pele o calor de animais
simples e vorazes
soltos como numa catedral
pele de asno
pele de mel
pele de água
Olga Savary
https://www.youtube.com/watch?v=bhY_YYhzU7w&t=81s

Pornofônico confesso
se este poema inocente
primitivo natural indecente
em teu pulsar navegante
entrar por tua boca entre dentes
espero que não se zangue
se misturar o meu sangue
em teu pensar quando antropo
por todas bocas do corpo
em total porno.grafia
na sagração da mulher
me diga deusa da orgia
se também tu não me quer
quando em ti lateja devora
palavra por palavra
por centro dentro dentro ou fora
em pornofonia sonora
me diga lady senhora
nestes teus setenta anos
se nunca gozou pelos ânus
me diga bia de dora
num plano lítero/estético
qual o humano ou cibernético
que te masturba ou te deflora
Artur Gomes
www.fulinaimargem.blogspot.com
Se esiste un tempo per il silenzio, questo è il mio tempo.
Stefania Diedolo
Se existe um tempo para o silêncio, este é o meu tempo.
o Rei está Nu
e a Rainha também
o palácio dava para
os fundos
do submundo
onde morava
a loucura tântrica
em suas garras semânticas
como física quântica
ela gozava solitária
ao amanhecer de todo dia
por onde o sexy aflora
não há controle sobre mim
da carne ao telhado o corpo
é um músculo retesado
a espera da penetração
ondas que num vai e vem
esperma escorre entre as coxas
do prazer de que não se contém
carnívora
o amor é feito de corpos
o amor é feito de membros
o amor é feito de meses
janeiro fevereiro março
todos os dias acordo e me lembro
o amor é feito de abril
maio junho julho
o amor é feito de agosto
setembro outubro novembro
o amor é feito dezembro
o amor é feito de anos
o amor é feito de agora
horas minutos segundos
é razão de estar no mundo
o amor se faz toda hora
Espelho 3
fotografei o espelho
em tua íris retina
e revelei a menina
que em meus olhos havia
banhada de sal e sol
em pétalas de girassol
que os meus olhos comiam
Artur Gomes
O Poeta Enquanto Coisa
www.secretasjuras.blogspot.com
LeminskiAndo em Cena
quando olho nos olhos
sei quando uma pessoa
está por dentro
ou está por fora
quem está por fora
não sustenta um olhar que demora
diante do meu centro
este poema me olha
ali
se Alice ali se visse
quando Alice viu e não disse
se Alice ali se dissesse
quanta palavra veio
e não desce
ali bem ali
dentro da Alice
só Alice com Alice
ali se parece
Paulo Leminski
às vezes
o substantivo carece
de mais substantivos
o verbo de verbos
verbos de advérbios
as palavras fazem crescer o mundo
mas a língua não é a realidade
nem a arte se assemelha à natureza
criam outra
realidade que expande a realidade
(às vezes)
no branco da página
Aricy Curvello
I
Tal aquele barqueiro distraído
que perdeu a isca e fisgou o remo as pescar
a lua, eu queria escrever distraidamente.
E encurvar o anzol até fechar-se um círculo
para que minhas palavras não caiam.
Quando engulo abstrações, morro de tédio.
Por isso, para sobreviver, meu devaneio
desce ao chão e distende-se numa caminhada.
E ao pisar na relva meus passos
estalam folhas secas.
Mas não é por maldade que piso
nas coisas da terra. A elas meus sapatos
irmanam-se no ímpeto que as faz
viver na simplicidade do cotidiano
a engendrar bichos de nuvem.
E distraidamente mantemos
o fôlego.
Mirian de Carvalho
do livro nada mais que isto
Scortecci Editora - 2011

signos em convulsão
flores
precisam de água
coelhos
gostam de folhas de couve-flor
humanas
confusões de signos
dexplosão de gaseduto no cairo
centenas de feridos em atentado no metrõ de londres
o público alvo do jô onze e meia
américa - terra de bravos
as abelhas que pousam nas uvas
não são clones de abelhas
um bilhete no e-mail du superpateta
poeta das perdidas ilusões
ilusionista, domador de leões
amante do bom vinho
e das mulheres que uivam na lua cheia
ronrons de fêmeas, gemidos
alquimia de salivas, miados
cheiros, imagens
sem replay
o rio que passa na minha cidade
está poluído
em quais camas as grandes cópulas douradas¿
um boeing me coloca diante das ondas do mar
marolas, maresias
frutos de flores marítimas
deuses do ar, deusa da água
o fogo arde a raíz das árvores
línguas de lesmas, húmus
nada que não finja
beleza que não finda
mesmos crisântemos
florescendo
na lâmina da espada
um facho de lua
sobre as pétalas
do jardim
Ademir Assunção
do livro Zona Branca
Travessa dos Editores - 2006

pátria a(r)mada 1
só me queira assim caçado
mestiço vadio latino
leão feroz cão danado
perturbando o teu destino
só me queira enfeitiçado
veloz macio felino
em pelo nu depravado
em tua cama sol à pino
só me queira encapetado
profanando aqueles hinos
malandro moleque safado
depravando os teus meninos
só me queira desalmado
cão algoz e assassino
duplamente descarado
quando escrevo e não assino
Artur Gomes
Fulinaíma MultiProjetos
fulinaima@gmail.com
(22) 99815-12668 - whatsapp
www.arturgumes.blogspot.com
manhatan city e/ou mediocridade mídia
esta cidade cheira a bosta nas calçadas nas marquises e as meninas são felizes nas capas de revistas as meninas dos jardins são expressões su-realistas as meninas dos jardins gostam de funk as meninas dos jardins rastam de rap as meninas dos jardins só ferem punk as meninas dos jardins já mascam coca as meninas dos jardins só fumam clac as meninas dos jardins não são do rock as meninas dos jardins só festam ploc como sabem ou como queiram mas as meninas dos jardins não fedem nem cheiram
Federico Baudelaire
Artur Gomes
O Poeta Enquanto Coisa
por Nuno Rau
Andamos no presente como vagando sobre um território rumo a outro, o futuro, para onde olhamos (além do olhar atento à nossa paisagem, o agora), mas sem perder a ligação com os territórios de onde viemos, o passado, de onde nos enviam mensagens-cabogramas. Ocorre que, antes, essas mensagens pareciam trilhar cabos unificados, e hoje elas nos vêm por uma rede de miríades de fios entrelaçados, com origens várias, por wi-fi, mescladas aos arcaicos sinais de fumaça, batidas de tambor.
O poeta contemporâneo tão mais contemporâneo se torna quando, atento ao presente absoluto para pensar a direção de seus passos, fica também atento aos sinais do passado, não dispensando o gesto ameríndio de perscrutar nas matas o aproximar-se da civilização predatória (como os nativos norte-americanos encostavam o ouvido nos trilhos do trem) enquanto observa, na tela de seu dispositivo, a nuvem de futuros prováveis, nem todos gloriosos: assim um poeta se torna criador de mundos.
Artur Gomes performa, em “O poeta enquanto coisa”, a sua dança tribal em que diversos dados da tradição se mesclam em sua reinterpretação ancorada no hoje, o que sempre implica numa tomada de posição política do poeta, que brindamos aqui, com alegria, porque nos traz luz sobre um momento particular de trevas na vida civil. É por estas vias que o liquidificador estético do poeta mistura antropofagicamente em suas iguarias-poemas, para que brindemos, deuses gregos com orixás, filosofia e orgia, mente e corpo, política e sexo, o corpo que precisa estar presente cada vez mais nos poemas, afastando quando possível os séculos de metafísica que nos oprimem. Evoé, Artur! Que seu canto ecoe pelos corações e mentes do presente e do tempo que virá.
Nuno Rau, arquiteto, professor de história da arte, tem poemas em diversas revistas literárias, e nas antologias Desvio para o vermelho, do Centro Cultural São Paulo, Escriptonita, que co-organizou, e 29 de Abril: o verso da violência. Publicou o livro Mecânica Aplicada, poemas, finalista do 60º Prêmio Jabuti e do 3º Prêmio Rio de Literatura. Ministra oficinas de poesia no Instituto Estação das Letras e é coeditor da revista mallarmargens.com