rocei suas mãos em conchas pele de ostra molhada mel escorreu
por entre as coxas beijei o éter no ar pesquei tua língua que voou depois do
coito oito horas depois do abstrato esse lugar enigmático onde estou quando te
quero quero quero no pátio da sala plínio marcos foi embora alceu valença manda
um frevo na esplanada no festival de pernambuco o eunuco dançarino enrola um
papel de seda o pó da pluma na penumbra penetrou minha asp/irina
Artur
Gomes
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CÓDIGO
A palavra
é armadilha.
A palavra é cilada.
A palavra é trilha.
A palavra é água.
Cuidado!
Ao dizer
amor diga amor.
Ao dizer medo diga medo.
Ao dizer horror diga horror.
Não a
dilua em ardis.
Deixe-a livre
sem corretor corrente
e adjetivo.
Deixe-a substantivo.
Cuidado!
A palavra
é dura.
A palavra é crua.
A palavra
é casta.
A palavra é seca.
A palavra é nua.
A palavra se basta.
Tanussi Cardoso
3
Foram
alguns anos estudando duro para entrar no curso de medicina. Eu trabalhava
durante o dia e aproveitava qualquer minutinho livre para estudar. Hora do
almoço, hidrocarbonetos, funções orgânicas, eletronegatividade. No percurso,
dentro do metrô, organelas, ciclos biogeoquímicos, lipídios, ácidos nucleicos.
Quando chegava em casa, ainda dava um jeito de entender eletroquímica e
estequiometria. Perdi as contas de quantas vezes acordei em cima dos livros.
Não era só entrar. Eu não tinha dinheiro para essa faculdade, mas meu sonho
sempre foi ser médico. Cinco anos depois, finalmente consegui entrar pelo
sistema de cotas numa universidade pública. Passava horas na biblioteca, já que
não tinha dinheiro para comprar todos os livros, e continuei aproveitando todo
e qualquer momento para estudar. No horário de almoço, metacarpos, acrômio,
esterno, ísquio, patela. No percurso dentro do metrô, esternocleidomastóideo,
deltoide, braquiorradial, gastrocnêmio. Na hora em que chegava em casa era
amoxicilina, betametasona, fluconazol, ibuprofeno, prednisona. Até pegar no
sono eu estudava e ainda sonhava com reumatite, carcinoma, dislipidemia,
apendicite e hanseníase. Depois de seis anos me formei. Mais dois anos de
residência e finalmente estava pronto para trabalhar num grande hospital.
Não sei nem como explicar a sensação do primeiro dia
exercendo minha profissão. Um frio na espinha, as pernas bambas pareciam não
responder aos meus comandos, felicidade, medo de errar. Sim, medo de errar,
porque agora não era mais brincadeira, iria lidar com outro ser humano. Alguém
que depositaria sua confiança em mim e faria tudo aquilo que eu dissesse ser o
correto a fazer. Para alguns, o diploma pode ser apenas um pedaço de papel, mas
é um papel que, na minha família, fui o primeiro a conseguir. Com ele tive
esperança de não mais ser tratado como lixo a cada batida policial. Também com ele, vai
chegar o dia em que não me preocuparei mais
se no fim do mês vou ter dinheiro para comer. Foi a partir do juramento de
Hipócrates que consegui andar de cabeça erguida. Sentia que tinha valor e que
teria todo o respeito que meus pais nunca tiveram da sociedade em geral, e que
sonhavam que eu tivesse.
Bastou
uma semana e já me sentia bem mais confiante, sabia o nome de todos os colegas,
onde conseguir luvas, curativos, oxímetro, desfibrilador, morfina e todos os
materiais necessários para atender as pessoas. Tudo parecia um sonho. Não
demorou e veio a notícia de que um vírus com alto nível de contaminação, que
estava arrasando com a China, havia chegado ao Brasil. Logo depois se soube de
uma festa para quinhentas pessoas onde um convidado foi diagnosticado com o
novo vírus. Pronto. A partir daí, o vírus começou a circular e ninguém mais
podia saber de onde vinha. O caos estava instalado.
Eu
era novato, mas o hospital onde trabalho me deslocou para a UTI, na linha de
frente dos internados infectados pela covid-19. Novamente um misto de sensações
invadiu o meu corpo. Dessa vez o medo era maior. Não era só o medo de errar,
não era só o medo de fazer algo que prejudicasse o próximo. Era o medo de
prejudicar a mim mesmo. De morrer, ou pior, de matar minha família levando o
vírus até eles.
Nunca pensei que viveria o que estou vivendo. Sabia que
passaria por momentos difíceis na profissão, de perdas, de tristezas, mas não
isso. Parece que estamos numa guerra, uma guerra contra um monstro invisível.
Eu, que nunca quis servir o exército por ter horror a armas, a guerras, a
matanças em massa, agora me sinto num acampamento improvisado, sem contar com
todos os recursos necessários, recebendo as vítimas do massacre. E o que vejo é
muito triste, dói na gente. São várias pessoas agonizando ao mesmo tempo, sendo
entubadas em massa, gritando de dor. A dor física é insuportável, mas a dor de
não poder receber o carinho e apoio dos seus elas dizem ser ainda mais
avassaladora. Não há direito a visitas.
Sempre tive todo o cuidado com higiene. Aprendemos a
importância disso logo no começo do curso. Mas, agora, o cuidado é triplicado,
uniforme, bota, proteção para a bota, luvas, óculos, máscara, touca, mais
máscara... são tantos os equipamentos que parecemos todos astronautas estudando
seres tóxicos em outro planeta. Os olhares naquelas macas denunciam o pânico, a
dor, e a morte parece nos rodear. Basta virar um pouquinho para o lado que ela
já leva mais um para o lado de lá. Todo dia alguém se vai. Os parentes são
avisados, mas não podem ver, não podem acompanhar os seus entes até o final.
Não têm direito a velório, a rituais ou despedidas. O enterro é feito com
poucos presentes, o mais rápido possível.
Chego
em casa e não é possível dormir. Os gritos e os choros ecoam na minha cabeça
madrugada adentro. Cubro os ouvidos tentando não os escutar, mas eles estão lá
dentro, não vêm de fora. Como se já não bastasse a dificuldade que é entrar em
casa e nem olhar direito para meus pais, tanto é o medo que tenho de
contaminá-los, ainda tenho que conviver com esses gritos após cumprir todo o
ritual: chego, já tiro toda a roupa logo no quintal e vou direto para o meu
quarto, tomo um banho e não saio mais de lá. Minha mãe deixa um prato de comida
na porta e pergunta se estou bem. Digo que sim, mesmo sentindo minha alma
perturbada e meu corpo um trapo. Na televisão, as pessoas repetem fique em casa, fique em casa, fique em casa. Mas bastou o
boçal que ocupa o cargo mais alto do país colocar em dúvida a existência e a
força do vírus que as pessoas foram para a rua. Como? Como podem fazer isso?
Quase cem por cento dos leitos já estão ocupados, logo teremos que decidir de
quem cuidar. Brincar de ser Deus não tem graça nenhuma.
Volto
para mais um dia de trabalho. O caminho até o hospital tem sido uma tortura.
Não posso mais usar branco. Quando as pessoas me veem vestido de branco elas se
afastam com medo de eu estar infectado. Um senhor quase me bateu outro dia
porque, sem querer, acabei encostando nele dentro do metrô. Eu, que sempre me
orgulhei de ser médico, agora ando na rua querendo que ninguém saiba minha
profissão. Nunca quis ser médico para deixar alguém em pânico, pelo contrário,
sempre quis levar conforto às pessoas, cura. Disseram que há pessoas aplaudindo
os profissionais de saúde na janela. Sinceramente, eu preferia que as pessoas
me homenageassem não saindo de casa.
Dia
desses, de maneira instintiva, tomei uma atitude sem pensar muito nos
protocolos. O seu João, meu paciente havia dez dias, precisou ser entubado.
Pela experiência desses tempos, eu não acreditava que ele voltasse pra casa.
Passou os dez dias falando da esposa, que está em casa com sintomas leves da
doença. Completariam cinquenta anos de casados mês que vem. Bonito de se ver o
modo como falava dela, cheio de carinho. Não tive dúvidas: peguei meu celular e
fiz uma ligação de vídeo para que ele falasse com ela antes do procedimento.
Ele acariciava a tela e dizia que a amava em tom de despedida enquanto eu me
segurava para não chorar. Parece que ele sabia; dois dias depois, não aguentou
e faleceu. Dessa vez não me contive. Os médicos acabam se acostumando com a
morte, mas nesse dia me tranquei no banheiro do hospital e chorei feito um
menino. Não conseguia parar de lembrar daquela cena e tive a certeza de ter
feito a coisa certa.
Eu sempre tive uma saúde de ferro. Não fumo, não bebo,
não tenho nenhum tipo de doença. Subia, pelas escadas, os oito andares do
hospital para chegar até a UTI mais de uma vez por dia. Os elevadores
concentram os vírus, e, mesmo andando sempre de máscara, todo cuidado era
pouco. Até que, dias atrás, não consegui subir. Parei no segundo andar, sem
fôlego. Algo estava errado. Todos os milhares de cuidados que tomei foram
poucos. Quando o teste deu positivo, me senti desleixado, fracassado. Onde será
que me descuidei? Agora já não importa. Virei mais um número na estatística dos
infectados. Sem direito a visitas, sem direito a contato. Apenas mais um nos tantos
leitos de pessoas agonizando.
A
sensação é horrível, a dor é insuportável, a vontade é de tirar a minha própria
vida. Eu sabia todos os procedimentos que usariam em mim. Conhecia tudo aquilo
de perto. Os gritos que ecoam na minha cabeça agora também saem pela minha
boca. Meu corpo arde em febre. Percebo que os pacientes tinham razão: a dor da
solidão era a que mais doía, junto com a impotência de não ter mais forças para
lutar nessa guerra. Todos os meus sonhos, tudo aquilo por que lutei, parece que
foi se apagando quando fui avisado de que seria entubado.
Em
pensamento, me despedi dos meus pais. Ninguém me deu a chance de uma despedida
em vídeo. Talvez não veja seus rostos mais uma vez. Só queria que eles tivessem
orgulho de mim. Acho que consegui preservá-los, ao menos, de se infectarem
também. Espero que sim. Mas e se estiverem doentes? Como médico, eu tinha era
que cuidar deles. Chegaram para me entubar, não sei se acordarei novamente, mas
não há mais o que eu possa fazer. Lentamente, minha vista começa a apagar e
sorrio. As vozes e gritos dentro da minha cabeça por fim se calaram.
Isabela Veras
Há feridas profundas
nas flores
nas infâncias
nas mulheres e sua mudez
Há formas tortas
nas vestes
nas leis
não nas mulheres e sua nudez
Há fomes graves
nas faltas
no tato
no olhar
na primeira solidão do homem
para aprender a chorar.
Daniela Fantin
com os dentes
cravados a memória
soletro teu nome
c a b o f r i o
naufragado fora do teu cais
caminho marítimo para as Índias
por onde talvez já passou meu pai
Artur Gomes Fulinaíma
https://fulinaimatupiniquim.blogspot.com/
foto: Welliton Rangel
sou uma mulher da vida irina severina
januária vascaína uso a minha arma branca pra enfrentar a tirania transo em
qualquer rua de qualquer esquina qualquer encruzilhada de qualquer lua com jorge de ogum federico de oxum mallarmè
de yansã não sou pagã fui batizada na igreja universal do reino de zeus nasci
em ouro preto vila rica sou filha de deus irmã de federika
https://fulinaimargem.blogspot.com/
PSICOLOGIA
DA COMPOSIÇÃO
1.
Saio de meu poema
como quem lava as mãos.
Algumas conchas tornaram-se,
que o sol da atenção
cristalizou; alguma palavra
que desabrochei, como a um pássaro.
Talvez alguma concha
dessas (ou pássaro) lembre,
côncava, o corpo do gesto
extinto que o ar já preencheu;
talvez, como a camisa
vazia, que despi.
2.
Esta folha branca
me proscreve o sonho,
me incita ao verso
nítido e preciso.
Eu me refugio
nesta praia pura
onde nada existe
em que a noite pouse.
Como não há noite
cessa toda fonte;
como não há fonte
cessa toda fuga;
como não há fuga
nada lembra o fluir
de meu tempo, ao vento
que nele sopra o tempo.
3.
Neste papel
pode teu sal
virar cinza;
pode o limão
virar pedra;
o sol da pele,
o trigo do corpo
virar cinza.
(Teme, por isso,
a jovem manhã
sobre as flores
da véspera.)
Neste papel
logo fenecem
as roxas, mornas
flores morais;
todas as fluidas
flores da pressa;
todas as úmidas
flores do sonho.
(Espera, por isso,
que a jovem manhã
te venha revelar
as flores da véspera.)
4.
O poema, com seus cavalos,
quer explodir
teu tempo claro; rompendo
seu branco fio, seu cimento
mudo e fresco.
(O descuido ficara aberto
de par em par;
um sonho passou, deixando
fiapos, logo árvores instantâneas
coagulando a preguiça.)
5.
Vivo com certas palavras,
abelhas domésticas.
Do dia aberto
(branco guarda-sol)
esses lúcidos fusos retiram
o fio de mel
(do dia que abriu
também como flor)
que na noite
(poço onde vai tombar
a aérea flor)
persistirá: louro
sabor, e ácido
contra o açúcar do podre.
6.
Não a forma encontrada
como uma concha, perdida
nos frouxos areais
como cabelos;
não a forma obtida
em lance santo ou raro,
tiro nas lebres de vidro
do invisível;
mas a forma atingida
como a ponta do novelo
que a atenção, lenta,
desenrola,
aranha; como o mais extremo
desse fio frágil, que se rompe
ao peso, sempre, das mãos
enormes.
7.
É mineral o papel
onde escrever
o verso; o verso
que é possível não fazer.
São minerais
as flores e as plantas,
as frutas, os bichos]
quando em estado de palavra.
É mineral
a linha do horizonte,
nossos nomes, essas coisas
feitas de palavras.
É mineral, por fim,
qualquer livro:
que é mineral a palavra
escrita, a fria natureza
da palavra escrita.
8.
Cultivar o deserto
como um pomar às avessas.
(A árvore destila
a terra, gota a gota;
a terra completa
caiu, fruto!
Enquanto na ordem
de outro pomar
a atenção destila
palavras maduras.)
Cultivar o deserto
como um pomar às avessas:
então, nada mais
destila; evapora;
onde foi maçã
resta uma fome;
onde foi palavra
(potros ou touros
contidos) resta a severa
forma do vazio.
chova em mim
com palavras de amor
mas saiba
não gosto de garoa
prefiro temporais
não nego
gosto de me entorpecer
de vinho
de risadas
de você
se quiser
te encho
de beijo
e poesia
se quiser
te encho
todo dia
percorri todo o poema
eu juro
foi tão bonito
ter te visto
por ali
minha transparência
me entrega
e tudo bem
ser vulnerável
é meu hobby
e minha poesia
é meu espelho
mas cuidado
nem sempre
ele sabe me ler
o bom da coragem
é que ela se multiplica
quanto mais a gente usa
mais a gente tem
Renata
Magliano
do livro Trinta E Cinco Pausas
https://www.instagram.com/re.magliano
meta morfose
muitas vezes no instante
uma mulher por perto
noutras meio distante
como alcançá-la plena
pele pluma palavra
carne sal água de mar
mesmo fosse água de rio
se o que gosta é tempestade
só sabe amar por inteiro
meu eu perdido em sua fala
Artur
Fulinaíma
para
re magliano
https://fulinaimatupiniquim.blogspot.com/
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