sábado, 2 de março de 2024

múltiplas poéticas

FERAS E ESFERAS

Neste sábado (2 de março) vou fazer a primeira exibição pública (não virtual) de alguns poemas animados que venho criando há três anos.

Algumas centenas de pessoas já viram. Na telinha do celular ou na tela do computador. Agora serão mostrados em tela maior e com som potente.

Poderia encher um montão de linguiça, mencionando arte e novas tecnologias, relações intersemióticas, mudanças de paradigmas, etc etc etc.

Fico no essencial:

Não estou interessado em mirabolâncias tecnológicas. Meu interesse é utilizar os recursos de animação como elemento estrutural do poema. O movimento das palavras, fontes, cores, tamanhos, etc., ampliam os significados. Sempre bom lembrar que a dimensão semântica da palavra é apenas uma delas. Falada, a palavra é som. Escrita, é signo gráfico. E na poesia todas as dimensões podem saltar aos olhos, ouvidos e consciência.

Duração: 35 minutos.

Depois, bate-papo com os interessados.

Na Casa das Rosas, às 15h.
Avenida Paulista, 37

Entrada franca.

*****

Imagem: frame do poema “Trilha na Treva” 

 

Ademir Assunção


COMO LER POEMAS DURANTE TEMPESTADES

Em dias assim a gente não costumava sair de casa.
Dizia a mãe que o melhor a fazer
era guardar a esperança
para beber no café da manhã seguinte.

A gente suspendia os tapetes,
tirava as toalhas do varal
e deixava que a chuva molhasse
tão somente o essencial.
Que as terras duras fossem lavadas,
escorrendo para além dos buracos das minhocas
a água necessária à sede da semente!

Depois, a gente recolhia os chinelos,
fazia um chá de acalmar tempestades,
e se deitava lentamente entre as almofadas,
abria um livro de poemas e o lia em voz alta.
Assim, na quietude do tempo,
a gente viajava em poemas!

[Melhor serventia
para um dia de chuva
naquele tempo sem tempo
não havia]

Em dias tão molhados bebia-se o chá às cinco:
um brinde aos poetas preferidos!
Era de bom agouro, dizia a mãe,
quebrar a xícara após o último gole:
isso fazia com que o poema
queimasse na garganta
feito uma acha a crepitar na fogueira.
Saía então o poema em voz alta,
todo aquecido de chá entre as palavras benditas,
caindo ao fundo dos tímpanos,
ferindo o profundo do coração,
arrebanhando sentidos pelo caminho,
na viagem solitária da imaginação!

[Melhor serventia
para um poema lido em voz alta
em dia de chuva
não havia]

No entanto,
caso fosse realmente necessário
sair de casa em dias tão aguados,
a gente desobedecia a ordem do tempo
(e da mãe)
e ia.

Toda a gente (muita gente)
guardava os poemas de todas as horas
na garganta inquieta da palavra,
e partia em direção à vida.

A gente caminhava no apressado das horas,
corria, fugia da chuva, da ventania,
da vontade danada de não fazer mais nada,
além de ler poemas em voz alta
no aconchego da sala, da varanda ou da cozinha.

Não havia jeito,
nem contornos ou subterfúgios:
em dias chuvosos
a gente também precisava
deixar a vontade sozinha
para ir cuidar da vida.

Era desejado apenas
que a alma não esfriasse
no pingo gelado da água,
que a alma fosse acolhida
no pingo quente da esperança
aspergida d'alguma outra vida!

[Quem nos cuidaria
em dias inundados de águas,
de sentidos,
solidão ou abandono
(e aos poemas engasgados),
já que a vida [quase] toda
sempre estivera viva
só por causa da poesia?]

Nic Cardeal
29.02.2024
 


MANIFESTO

Vai te catar, careta,

a arte é pasto sem cerca,

que rodeia o mundo rotundo,

vai no fundo mais fundo do fundo,

depois no alto mais alto do alto

e num salto acrobático,

voa do Atlântico ao Ártico

porque é o que faz o homem amar,

mais que o tanto de água

que guarda o mar.

Vai te catar, careta,

nossa casa comum é o planeta,

você com essa cara ranheta

de quem prefere o pão à poesia,

saiba que, nos dois, é a mesma massa da alegria

que enche a barriga vazia

e incendeia a teia luminosa do sorriso.

Por isso artar é preciso,

como navegar e amar o impossível,

é disso que vivem os artistas,

mambembes, iluministas,

transgressores, avatares,

capazes de se jogarem de todos os andares

porque aprendem no ninho

que o que garante o voo de quem não tem asas,

que faz rir o palhaço tristonho,

não é a necessidade,

é o sonho.

 Fernando Leite Fernandes

Do livro Testamento de Vento


ACONTECÊNCIAS

 

Precisa acontecer

alguma coisa nestes dias vagos

de sonhos vagos

e promessas  prometidas

no sussurro das esquinas

 

Algo precisa sobreviver

no coração do mundo

como um Cristo magoado

massacrado,

crucificado...

 

Para depois de sua  morte

a gente brincar de natal.

 

Precisa acontecer

alguma coisa de luzes

de cruzes,

farras e porres

na maldição sombria

de toda humanidade.

 

Agora

mais que nunca

o mundo precisa,

urgentemente, de outro bobo,

de outro mártir,

de outro Cristo,

de outro Deus...

 

Orávio de Campos Soares

In Ato-5 – Coletânea – Grupo Uni-Verso 1979


Beatriz a filha de Bárbara – está no centro do palco sentada em frente a uma mesa desenhando, alguém bate a porta, ela sai para atender. Volta e se coloca novamente a frente da mesa – e continuar a sua tarefa de desenhar seu auto-retrato... de repente começa a falar em voz alta:

 

Mãe! Mãe! Mãe! Será possível, ela nunca me ouve quando eu chamo. Ô mãe, tem um homem com a flor na boca lá na varanda perguntando por você. Se chama Federico, e me falou que vocês se conhecem, ele quer te ver. Que coisa estranha, flor na boca, isso só pode ser alguma metáfora. Posso falar pra ele entrar¿ Mas pela aparência é de carne e osso mesmo.

 Bárbara – Meu Zeus, depois de 25 anos, será possível que vamos nos reencontrar aqui no palco, onde nos conhecemos¿ pode pedir para ele entrar. Claro que sim!.

 Federico Baudelaire

leia mais no blog

 


HÁ MUITA DOR DENTRO DO POETA

Há pouca cor dentro do poeta

Há algum amor dentro do poeta

 

Há um corte que não fecha dentro do poeta

Há queimaduras que ardem dentro do poeta

 

Há uma saudade insana

Há muita ideia na testa

Há um bar em festa

Dentro do poeta

 

Há roupa suja nas gavetas do poeta

Há fechaduras emperradas nas portas do poeta

Há poeira sobre os livros na estante do poeta

 

Há choro, berros e muitos erros

Nos poemas do poeta

 

Armando Liguori Junior 



ACORDO

 

Deixe-me adormecer

em seus braços

 

Deixe-me conhecer

sua alma

em compasso de espera

 

Nossa primeira vez

será mágica

 

Desejo de estar

tão junto, tão junto

que o interno se encontre

e se reconheça

 

Nossa primeira vez

não terá pressa

Irá construir

o tempo certo

 

Bilah Bernardes

Do livro Sentimento Dividido pág. 27

Sobre o livro leia aqui https://www.facetubes.com.br/noticia/3186/a-poesia-na-palma-da-mao-consideracoes-sobre-qsentimento-divididoq-de-bilah-bernardes


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