FERAS E ESFERAS
Neste sábado (2 de março) vou fazer a primeira
exibição pública (não virtual) de alguns poemas animados que venho criando há
três anos.
Algumas centenas de pessoas já viram. Na telinha
do celular ou na tela do computador. Agora serão mostrados em tela maior e com
som potente.
Poderia encher um montão de linguiça,
mencionando arte e novas tecnologias, relações intersemióticas, mudanças de
paradigmas, etc etc etc.
Fico no
essencial:
Não estou interessado em mirabolâncias
tecnológicas. Meu interesse é utilizar os recursos de animação como elemento
estrutural do poema. O movimento das palavras, fontes, cores, tamanhos, etc.,
ampliam os significados. Sempre bom lembrar que a dimensão semântica da palavra
é apenas uma delas. Falada, a palavra é som. Escrita, é signo gráfico. E na
poesia todas as dimensões podem saltar aos olhos, ouvidos e consciência.
Duração: 35 minutos.
Depois, bate-papo com os interessados.
Na Casa das Rosas, às 15h.
Avenida Paulista, 37
Entrada franca.
*****
Imagem: frame do poema “Trilha na Treva”
Ademir Assunção
COMO LER POEMAS DURANTE TEMPESTADES
Em dias assim a gente não costumava sair de
casa.
Dizia a mãe que o melhor a fazer
era guardar a esperança
para beber no café da manhã seguinte.
A gente suspendia os tapetes,
tirava as toalhas do varal
e deixava que a chuva molhasse
tão somente o essencial.
Que as terras duras fossem lavadas,
escorrendo para além dos buracos das minhocas
a água necessária à sede da semente!
Depois, a gente recolhia os chinelos,
fazia um chá de acalmar tempestades,
e se deitava lentamente entre as almofadas,
abria um livro de poemas e o lia em voz alta.
Assim, na quietude do tempo,
a gente viajava em poemas!
[Melhor serventia
para um dia de chuva
naquele tempo sem tempo
não havia]
Em dias tão molhados bebia-se o chá às cinco:
um brinde aos poetas preferidos!
Era de bom agouro, dizia a mãe,
quebrar a xícara após o último gole:
isso fazia com que o poema
queimasse na garganta
feito uma acha a crepitar na fogueira.
Saía então o poema em voz alta,
todo aquecido de chá entre as palavras benditas,
caindo ao fundo dos tímpanos,
ferindo o profundo do coração,
arrebanhando sentidos pelo caminho,
na viagem solitária da imaginação!
[Melhor serventia
para um poema lido em voz alta
em dia de chuva
não havia]
No entanto,
caso fosse realmente necessário
sair de casa em dias tão aguados,
a gente desobedecia a ordem do tempo
(e da mãe)
e ia.
Toda a gente (muita gente)
guardava os poemas de todas as horas
na garganta inquieta da palavra,
e partia em direção à vida.
A gente caminhava no apressado das horas,
corria, fugia da chuva, da ventania,
da vontade danada de não fazer mais nada,
além de ler poemas em voz alta
no aconchego da sala, da varanda ou da cozinha.
Não havia jeito,
nem contornos ou subterfúgios:
em dias chuvosos
a gente também precisava
deixar a vontade sozinha
para ir cuidar da vida.
Era desejado apenas
que a alma não esfriasse
no pingo gelado da água,
que a alma fosse acolhida
no pingo quente da esperança
aspergida d'alguma outra vida!
[Quem nos cuidaria
em dias inundados de águas,
de sentidos,
solidão ou abandono
(e aos poemas engasgados),
já que a vida [quase] toda
sempre estivera viva
só por causa da poesia?]
Nic Cardeal
29.02.2024
MANIFESTO
Vai te catar, careta,
a arte é pasto sem cerca,
que rodeia o mundo rotundo,
vai no fundo mais fundo do fundo,
depois no alto mais alto do alto
e num salto acrobático,
voa do Atlântico ao Ártico
porque é o que faz o homem amar,
mais que o tanto de água
que guarda o mar.
Vai te catar, careta,
nossa casa comum é o planeta,
você com essa cara ranheta
de quem prefere o pão à poesia,
saiba que, nos dois, é a mesma massa
da alegria
que enche a barriga vazia
e incendeia a teia luminosa do
sorriso.
Por isso artar é preciso,
como navegar e amar o impossível,
é disso que vivem os artistas,
mambembes, iluministas,
transgressores, avatares,
capazes de se jogarem de todos os
andares
porque aprendem no ninho
que o que garante o voo de quem não
tem asas,
que faz rir o palhaço tristonho,
não é a necessidade,
é o sonho.
Fernando Leite Fernandes
Do livro Testamento de Vento
ACONTECÊNCIAS
Precisa acontecer
alguma coisa nestes dias vagos
de sonhos vagos
e promessas prometidas
no sussurro das esquinas
Algo precisa sobreviver
no coração do mundo
como um Cristo magoado
massacrado,
crucificado...
Para depois de sua
morte
a gente brincar de natal.
Precisa acontecer
alguma coisa de luzes
de cruzes,
farras e porres
na maldição sombria
de toda humanidade.
Agora
mais que nunca
o mundo precisa,
urgentemente, de outro bobo,
de outro mártir,
de outro Cristo,
de outro Deus...
Orávio de
Campos Soares
In Ato-5 – Coletânea – Grupo Uni-Verso 1979
Beatriz a filha de Bárbara – está no
centro do palco sentada em frente a uma mesa desenhando, alguém bate a porta,
ela sai para atender. Volta e se coloca novamente a frente da mesa – e
continuar a sua tarefa de desenhar seu auto-retrato... de repente começa a
falar em voz alta:
Mãe! Mãe! Mãe! Será possível,
ela nunca me ouve quando eu chamo. Ô mãe, tem um homem com a flor na boca lá na
varanda perguntando por você. Se chama Federico, e me falou que vocês se
conhecem, ele quer te ver. Que coisa estranha, flor na boca, isso só pode ser
alguma metáfora. Posso falar pra ele entrar¿ Mas pela aparência é de carne e
osso mesmo.
Bárbara – Meu Zeus, depois de 25 anos, será possível que vamos nos reencontrar aqui no palco, onde nos conhecemos¿ pode pedir para ele entrar. Claro que sim!.
Federico Baudelaire
leia mais no blog
HÁ
MUITA DOR DENTRO DO POETA
Há
pouca cor dentro do poeta
Há
algum amor dentro do poeta
Há um
corte que não fecha dentro do poeta
Há
queimaduras que ardem dentro do poeta
Há uma
saudade insana
Há
muita ideia na testa
Há um
bar em festa
Dentro
do poeta
Há
roupa suja nas gavetas do poeta
Há
fechaduras emperradas nas portas do poeta
Há
poeira sobre os livros na estante do poeta
Há
choro, berros e muitos erros
Nos
poemas do poeta
Armando Liguori Junior
ACORDO
Deixe-me adormecer
em seus braços
Deixe-me conhecer
sua alma
em compasso de espera
Nossa primeira vez
será mágica
Desejo de estar
tão junto, tão junto
que o interno se encontre
e se reconheça
Nossa primeira vez
não terá pressa
Irá construir
o tempo certo
Bilah Bernardes
Do livro Sentimento Dividido
pág. 27
Sobre o livro leia aqui https://www.facetubes.com.br/noticia/3186/a-poesia-na-palma-da-mao-consideracoes-sobre-qsentimento-divididoq-de-bilah-bernardes
Nenhum comentário:
Postar um comentário