
com os dentes cravados na memória
Aos 20 Freud estava apenas de passagem, difícil era entender a insustentável leveza do ser onde tudo que é sólido se dissolve no ar. A barra era pesada, os sonhos exterminados a ferro e fogo, porões, exílio, trincheiras, barricadas, palavras eram caladas a golpes de espadas. Desse tempo ficaram marcas, cicatrizes fundas. aos 30 vieram filhos, e a compreensão da função biológica do sexo. aos 40 o que era submerso aflorou na superfície, foi brotando do inconsciente o que estava lá adormecido desfolhei nos livros Suor & Cio e Couro Cru & Carne Viva. aos 50 e 60 Freud se tornou companheiro de jornadas para exorcizar os fantasma nos laboratórios de teatro. hoje sonho imaginário fantasia são partes da mesma realidade, complementos inseparáveis da mutação do pós-juízo onde amo uma mulher de 26 e ela entra pela minha porta como uma outra nunca fez.
Artur Gomes
Suor & Cio
MVPB Edições – 1985
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Poema da inesquecível mulher
Eu, vero, me bati na tua porta:
mal caibo em mim, sem ti
no que importa
Sou trava de uma casa redigida
no vão da tua mão subtraída
Romério Rômulo
Com o tempo entendi que não importa onde estamos, a cultura e arte vão estar presentes tanto quanto o ar que respiramos e não temos como fugir dela e o melhor é sentar, pegar uma pipoca e assistir um filme e se deixar tocar por ele; ler um livro e refletir sobre o que se leu; parar um tempo e se deixar apaixonar pela paixão do poeta; se deixar apaixonar pela pintura do artista-plástico ou pela obra do escultor... Não podemos controlar o que sentimos, mas podemos refletir sobre como somos tocados pela arte, seja ela qual for.
Isadora Chiminazzo Predebon
https://www.facebook.com/psicologa.isadoracp/
Com Os Dentes Cravados Na Memória
Relatório
I
na sala ficaram cacos de pratos
espalhados pelo chão. pedaços do corpo retidos
entre o corredor, após o interrogatório.
um cheiro forte de pólvora e mijo
misturados a dois ou três dias sem banho
depois de feito sexo.
só o fogo da verdade exalando odor e raiva
quando em verde, conspiravam contra nós.
em são cristóvão o gasômetro vomitava
um gás venoso nos pulmões já cancerados
nos quartéis da cavalaria.
II
me lembro.
o sentimento era náuseas, nojo, asco,
quando as botas do carrasco
bateram nos meus ombros com os cascos.
jamais me esquecerei o nome do bandido
escondido atrás dos tanques
e
se chamavam:
Dragões da Independência
e a gente ali na inocência.
comendo estrumes. engolindo em seco
as feridas provocadas por esporas.
aguentando o coice, o cuspe,
e
a própria ira
dos animais de fardas
batendo patas sobre nós.
III
com a carne em postas sobre a mesa,
o couro cru, o coração em desespero,
o sangue fluindo pelos poros, pelos pelos.
eu faço aqui
meditações sobre o presente
re cri ando
meu futuro.
tendo o corpo em cada porta
e a cara em cada furo.
tentando só/erguer
as condições pra ser humano
visto que tornou-se urbano
e re-par-tiu
se
em mil pedaços
visto que do sobre-humano
restou cabeça, pés, e braços.
Artur Gomes
Couro Cru & Carne Viva – 1987
como não amanhecer feliz.
quando ao acordar damos de olhos com um recado desses
em nossa caixa de mensagens, vindo da minha querida/amada
amiga Angélica Rossi lá de Bento Gonçalves,
cidade onde escrevi a maioria das Juras Secretas.
“É muito mas muito cheia de tudo de bom tua obra
Adorei - Até já mandei uns trechos pra uns amigos
Muito legal mesmo. Nunca deixe que as críticas apaguem a sua essência..
A noite Te mando
A minha jura preferida. Quem é a Clarice?
Fiquei curiosa pra ver como é seu rosto. E como Ela é.
Que legal... me chamou a atenção a tal Clarice.
Porque não conseguia imaginá-la
Então é por isso...
Um pouco de muitas mulheres”
Jura Secreta 72.
Clarice dorme em minha mãos
a carne trêmula depois do beijo
na maçã que hoje comemos
agora sonha tudo aquilo
que Baudelaire lhe prometeu
quando amanhece
os olhos dela quanto dia
que o dia de ontem não comeu
cidade das pedras
Para Mauri Menegotto
uma cidade
onde o caminho de pedras
transborda poesia
entre o vale e os vinhedos
a primavera explode em flores
semente brota nos frutos
na arte de esculpir pedras
o sentimento absoluto
de quem faz arte com as mãos
e toca a vida em frente
como se esmerilhar as pedras
fosse tocar as pétalas
dos parreirais de outubro
onde tudo aflora
a poesia pulsa
e transforma em arte
a matéria em estado bruto
Artur Gomes
O Poeta Enquanto Coisa
https://arturgomesgumes.blogspot.com/