quarta-feira, 23 de março de 2022

como escreve Artur Gomes

 


Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?

Não. Não costumo planejar o que vou fazer pela manhã, nem pelo resto do Todo Dia. Todo Dia É Dia D e o que vai ser do Todo Dia sempre pinta num fluir de olhos, muitas vezes Dada noutras vezes Ista, minha febre é cabalística fulinaímica orgia na luminosidade da noite ou na escuridão do novo Dia.

Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?

Na travessia noite madrugada sempre me acontece uma sensação de Terra Em  Transe, poderia até dizer que me baixa um Glauber nesse meu corpo terreiro a pomba gira a pomba voa nas  ondas das tempestades no  remo de alguma canoa e aí canto para Exu na encruzilhada da Lagoa.

Tem dias que a gente sente e não cala a fala sai com o verbo na ponta da língua no canto da boca e explode na sala feito bala argamassa de concreto na cara do desafeto.

Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?

Como frisei acima,  Todo dia É Dia D Poesia Todo Dia, mas não preciso me concentrar para isso. Só me concentro n0 palco quando vou entrar em cena, para a escrita a palavra explode ventania que vem do cosmo talvez ou nas vozes cósmicas que me assombram cotidianamente.

A pedra do sossego  me abstrata. A meta é estranha alquimia na metamorfose dessa pedra que as vezes medra outras vezes fedra tantas vezes nega o Eu dentro doeu o Não dentro do Sim o Mim dentro de Mim. Tudo é como conseguir significar os tecidos nos Retalhos Imortais do SerAfim.

Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?

Muitas vezes leio, não com intenção de pesquisa, mas acaba acontecendo que essas leitura vão se refletir nas escritas futuras, naturalmente vão se tornando referências para reflexões e outras leituras. No momento por exemplo, leio Antonio Cicero e Antonio Carlos Secchin e um caldeirão de ideias vão se formando em universos diferenciados, por exemplo quando leio Salgado Maranhão, Ademir Assunção, Fabiano Calixto e tantos outros poetas contemporâneos, das minhas leituras prediletas.

A minha escrita move-se através da fala, do som de cada palavra que me vem a cada instante. Nem sei mais que dome dar a isto, visto que, muitos já tentaram mas não encontraram o real significado. Nasci e me criei na sonoridade das madrugadas juninas, mesmo sendo agosto o meu mês de nascimento, talvez aí esteja a razão do cachorro louco que sou, sem nenhuma modéstia em parafrasear Paulo Leminski. Tanto nele quanto em Torquato aprendi a lidar com a palavra no fio da navalha a manusear a pedra de toque quando o corpo é som e  carnavalha.

Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?

Levando a escrita para as MultiLinguagens. Lá pelos idos dos anos de 1970 d0 século 20, quando já havia escrito  3 livros de poesia, a palavra na minha escrita estava gradativamente se tornando música, ainda não satisfeito com os resultados obtidos, resolvi aprender a transformar a palavra escrita em linguagem cênica. Como essas travessias acontecerem em um tempo em que eu trabalhava numa Escola Técnica Federal, lidando com o fazer e o ensinar a fazer, a busca por novos aprendizados foi sempre uma constante e daí para saltar para o audiovisual foi apenas uma questão de tempo.

Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?

Quando sinto que o texto precisa ser revisado para acha-lo pronto, o descarto. Reviso sim, muitas e muitas vezes, para não deixar passar erros de digitação, ou em algumas vezes concordâncias gramaticais. Mas nunca reviso como intenção de aprimorar a escrita,  se o texto fluiu naturalmente é dessa forma que ele vai ser publicado. A revisão para mim não significa fazer revisão para dar significado ao que está escrito, muitas vezes as aparentes insignificâncias estão plenas de beleza sem precisar das coisas com os seus significados.

Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?

Desde o século passado que a escrita manual deu lugar as teclas do computador. Muito cedo na pré-adolescência aprendi a datilografar nas máquinas de escrever. Algum tempo depois meu primeiro emprego foi de Linotipista na Oficina de Artes Gráficas da Escola Técnica Federal de Campos, em Campos dos Goytacazes-RJ. Então essa prática de lidar com as teclas foi se tonando rotineira. Hoje mesmo quando se trata de rascunhar anotações ou mesmo escrever a vera vai tudo direto pelas teclas do computador. Minha grafia hoje, chega a ser inelegível.

De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?

Elas surgem, nascem, fluem. Dizer de onde não sei exatamente. Tem poetas que ouvem as nuvens outros ouvem as pedras. Ferreira Gullar dizia que ouvia vozes porque a vida não basta. Drummond costumava dizer que Itabira era um quadro na parede da sala. Mário de Andrade teve febre para parir Macunaíma. Oswald teve que se travestir em funcionário público para criar o Serafim Ponte Grande. Eu descobri Fulinaíma meio sem querer numa viagem pela estrada dos Bandeirantes indo de São Paulo para Campinas, para dirigir no SESC uma Oficina de Criação de Artifícios. O único hábito que tenho é de encantar as musas. E daí vem a criação.

O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?

Experimentar o Experimental gritava Wally Salomão, na sala de jantar da sua biblioteca experimental. Essa experimentação fui aglutinando a minha escrita ao longo do correr dos anos e foi se incorporando as bagagens vividas. Ler Viver Escrever é um  experimento que nos aproxima do profano e do sagrado do divino e ao mesmo tempo diabólico jeito de ser. Dizer a mim mesmo dos meus primeiros escritos, posso dizer, que foram registros de situações vividas, mas sem muitos experimentos, que só passaram a acontecer quando comecei a lidar com as multilinguagens da escrita: verbal, visual, musical, cênica, audiovisual. Isso se deu num processo de busca, de insatisfação com o que já fora feito antes.

Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?

Está em processo mas ainda não gestado o meu livro de memórias – Da Nascente a Foz Um Rio De Palavras, que venho desenvolvendo em parceria com Federico Baudelaire o Mestre Sala da Mocidade Independente de Padre Olivácio – A Escola de Samba Oculta no Inconsciente Coletivo.

O livro que gostaria de ler e ainda não está escrito é o livro que vai nos contar a derrota de um genocida que chegou a des(pre)sidência da república de um país tropical que já teve banana pra dar e vender, e hoje um sinistro do meio-ambiente vende ilegalmente madeira do cerrado e da Amazônia para o país articulador do golpe de estado que essa república sofreu em 2016.

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