quarta-feira, 23 de março de 2022

Artur Gomes - poemas do livro Pátria A(r)mada

 



indigesta

ê fome negra incessante
febre voraz gigante
ê terra de tanta cruz

onde se deu primeira missa
índio rima com carniça
no pasto pros urubus

oh! myBrazyl
ainda em alto mar
Cabral quando te viu
foi logo gritando:
terra à vista!
e de bandeja te entregando
pra união democrática ruralista.

por aqui nem só beleza
nesses dias de paupéria
nação de tanta riqueza
país de tanta miséria


moenda

usina
mói a cana
o caldo e o bagaço

usina
mói o braço
a carne o osso

usina
mói o sangue
a fruta e o caroço

tritura suga torce
dos pés até o pescoço
e do alto da casa grande
os donos do engenho controlam

:
o saldo e o lucro


olho de lince

onde engendro
a Sagarana

invento
a Sagaranagem

entre a vertigem
e a voragem

na palavra
de origem

entre a língua
e a miragem
São Bernardo e Diadema

mordendo: o vírus da linguagem
no olho de lince do poema


poética 93

Tenho nojo do Agro
Negócio que me dá asco
por tanta perversidade

quem planta veneno
é carrasco
assassino da humanidade


A vida sempre em suspense
alegria a prova dos nove
fanatismo não me convence
muito menos me comove

cacomanga

ali nasci
minha infância
era só canaviais
ali mesmo aprendi
a conhecer os donos de fazendas
e odiar os generais

pessoa


não tenho pretensões de ser moderno
nem escrevo poesia
pensando em ser eterno
veja bem na minha língua as labaredas do inferno
e só use o meu poema
com a força de quem xinga

por aqui nem só beleza
nesses dias de paupéria
nação de tanta riqueza
país de tanta miséria


cacomanga

na roça desde cedo comecei a escavar palavras e separar uma das outras de acordo com o seu significado dar farelo de milho para os porcos e olhadura de cana para o gado aprendi que no terreiro não dependo de mercado e para que urbanidade se a cidade não tem paz com a enxada capinei a liberdade e descobri que ditadura é uma palavra que não cabe nunca mais


| do livro Pátria A(r)mada (Editora Desconcertos, 2019). |


Artur Gomes é poeta, ator, videomaker e produtor cultural. Tem diversos livros publicados, sendo os mais recentes Juras Secretas (Editora Penalux, 2018) e Pátria A(r)mada (Editora Desconcertos, 2019). E O Poeta Enquanto Coisa (Editora Penalux-2020). Com o livro Pátria A(r)mada recebeu o prêmio Oswald de Andrade, concedido pela UBE-Rio em 2020

Dirigiu a Oficina de Artes Cênicas do Instituto Federal Fluminense de em Campos dos Goytacazes-RJ de 1975 a 2002. Em 1983, criou o projeto Mostra Visual de Poesia Brasileira e, em 1993, idealizou o projeto Mostra Visual de Poesia Brasileira Mário de Andrade — 100 anos — realizada pelo SESC São Paulo. Lecionou  Poéticas no Curso Livre de Teatro em Campos dos Goytacazes-RJ em 2018 e 2019.  Gravou no home studio Fil Buc — Produções o disco Poesia Para Desconcertos, ou, Fulinaíma Afro Tupiniquim, com produção de seu filho Filipe Buchaul. Ainda não lançado

 

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