Algo
sobre céu
Pousam nas xícaras da noite passada
borboletas da Índia, tons de corais.
Sobre a borra de café, aroma salino
e profundo do Índico.
Asas transparentes, projetam azuis
no banco silencioso e frio da parede
como se fosse primavera.
Telas de anjos e outras divindades
(dessas que não lembramos de onde vem)
como se vivas, vertiam lágrimas
intactas pétalas de flores
bordando o tapete da sala
da mais pura igualdade e paz.
Nas borras do café da noite passada
abriu-se cristalino, o destino
nas asas das borboletas da Índia
no cheiro de incenso de mirra.
E todo ser fez-se um pedaço do Divino
pausa no tempo, no
acorde menino
por instantes, o brinde do vinho
e tudo em volta fez-se céu
e tudo em volta, céu
profundamente céu.
Tonho
França
Do livro Quarto de Azulejos
Editora Penalux - 2014
Cantarias
“Mesmo
as cigarras se tornaram raras.
Ouvir
alguma que estrile é um soco no peito.”
eugênio montale
[Trad. Geraldo H.
Cavalcanti]
Cantaria I
Caímos
ante as pérolas insanas –
ocultando
a centelha
que
acende as cinzas.
Caímos
insólitos
sobre
nós, com as proteínas
vencidas
e as certezas
provisórias.
Quem
aspergiu o florescer
de
estiletes –
e o símio que errou
a
porta de Deus?
Daqui,
desta
ilha de presságios,
também
as pedras
se reinventam.
Daqui,
deste azul
que
tropeça nas aves,
digito
a alma em 3-d
encerrado
ao córtex verbal
em
que me reverbero:
seguindo enquanto espero.
Salgado Maranhão
Pedra de Encantaria
Editora 7Letras – 2021
alguma poesia
não.
não bastaria a
poesia deste bonde
que despenca lua nos meus cílios
num trapézio de pingentes onde a lapa
carregada de pivetes nos seus arcos
ferindo a fria noite como um tapa
vai fazendo amor por entre os trilhos.
não.
não bastaria a
poesia cristalina
se rasgando o corpo estão muitas meninas
tentando a sorte em cada porta de metrô
e nós poetas desvendando palavrinhas
vamos dançando uma vertigem
no tal circo voador.
não.
não bastaria todo
riso pelas praças
nem o amor que os pombos tecem pelos milhos
com os pardais despedaçando nas vidraças
e as mulheres cuidando dos seus filhos.
não.
não bastaria
delirar Copacabana
e esta coisa de sal que não me engana
a lua na carne navalhando um charme gay
e uma cheiro de fêmea no ar devorador
aparentando
realismo hiper/moderno,
num corpo de anjo
que não foi meu
deus quem fez
esse gosto de coisa do inferno
como provar do amor no posto seis
numa cósmica e profana poesia
entre as pedras e o mar do Arpoador
mistura de feitiço e fantasia
em altas ondas de mistérios que são vossos
não.
não bastaria toda
poesia
que eu trago em
minha alma um tanto porca,
este postal com
uma imagem meio Lorca:
um bondinho aterrisando lá na Urca
e esta cidade deitando água
em meus destroços
pois se o cristo redentor deixasse a pedra
na certa nunca mais rezaria padre-nossos
e na certa só faria poesia com os meus ossos.
Artur Gomes
Couro Cru &
Carne Viva – 1987
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