domingo, 24 de agosto de 2025

com os dentes cravados na memória

LEMINSKI E OS PERRENGUES DA BRUTALIDADE JARDIM

Há situações que poucos artistas gostam de mencionar, mas que considero importantes testemunhos para o entendimento de uma época.

Convivi muito com Paulo Leminski na segunda metade dos anos 80. Ele estava tentando se estabelecer em São Paulo e ficou hospedado no apartamento da cantora Fortuna, minha namorada na época. Já o conhecia e tínhamos um vínculo vigoroso, que se fortaleceu ainda mais no convívio quase diário deste período.

Leminski, ao contrário do que muitos pensam, era famoso em vida, tanto quanto um poeta pode ser. Mas, mesmo com sua intensa atividade criativa - e jornalística também - e com a repercussão de sua arte e de seu pensamento, passava perrengues do ponto de vista da sobrevivência.

Lembro de muitas situações e lembro vivamente de suas palavras, repetidas em diferentes circunstâncias: "O nível de competição no sistema capitalista está chegando a um estágio darwiniano."

Trocando em miúdos, em nosso bom e velho portuga-brazuka, o que ele estava dizendo era: "a sobrevivência está se tornando e se tornará cada vez mais barra pesada."

A minha leitura é que ele intuía com nitidez o neoliberalismo brutal que estava se instalando. Estou falando de um contexto que remonta há mais de 35 anos.

Um panorama dominado pelo culto exacerbado ao dinheiro, pela competição desmedida para consegui-lo, e pelo consequente desprezo pelas coisas da imaginação e do espírito criativo. Desprezo que chegou ao auge na era bozozóica, mas que já vinha sendo preparado pela entronização suprema do Deus Mercado, em que o "valor" das coisas criativas é avaliado quase que unicamente pelo seu sucesso de vendas.

Lembro muito bem das palavras de Leminski em uma entrevista: "Escritores acham indecente a ideia de o livro ser subvencionado pelo Estado em Cuba, mas não acham indecente seus processos criativos passarem pelo crivo de editoras comerciais, o que vale dizer, pelo mercado." Cito de memória, mas para os menos apressados, há um vasto campo de reflexão nessas palavras.

É possível que intuísse que neste panorama não haveria mais espaço para sua existência física, a existência de "um poeta em tempo integral", como se auto definia e como comprovava quem partilhava de seu cotidiano. Alguém entregue 24 horas por dia ao exercício do pensamento e da atividade criativa - por consequência, inábil e sem paciência para o mundo cão da sobrevivência.

Hoje o mercado e, felizmente, seus herdeiros, parecem faturar razoavelmente bem com sua obra. Algo que ele mesmo não conseguiu usufruir.

E isso diz muito a respeito de uma época. Época cão - sem ofensas a nossos queridos e adoráveis animais domésticos.

 

Ademir Assunção


Artur Gomes

poeta.ator.vídeo maker

por Federika Lispector - texto escrito em  2016

 

Artur Gomes é um poeta ímpar, o conheci quando estudei na então Escola Técnica Federal de Campos, e ele era Coordenador da Oficina de Artes Cênicas, isso lá pelos idos de 1987. Na época ele montava com alunos da Oficina o espetáculo teatral: A Ciranda do Boi Cósmico, uma encenação de teatro de rua,  inspirada no folclórico Boi Pintadinho.  Desde então me encantei com o seu múltiplo  trabalho, imprimindo poesia nas mais diversas plataformas.

Com a Oficina de Artes Cênicas da ETFC criou a sua marca com o Teatro de Improviso, encenando mais de uma centena de Espetáculo, no período em que lá esteve de 1975 a 2002. Com Poesia Falada até hoje percorre o Brasil soltando o verbo nos mais diferentes espaços, para os mais diversos tipos de público.

De 2007 para cá, depois de colocar sua poesia no papel, no teatro, em tecidos, em vitrines etc, passou também a se utilizar do áudio visual como plataforma para a disseminação da sua voz poética, e já soma uma centena de vídeos.poesia espalhados pelo youtube  facebook. Minha fascinação pelo seu trabalho, se dá, não apenas por tudo o que foi escrito acima, mas sobre tudo pela qualidade e criatividade da sua linguagem, onde a procura da palavra certa, é sempre o veio condutor do seu processo de criação.

Por ser inquieto, busca outras palavras, e cria palavras novas como: Fulinaíma, Fulinaímicas, 

Fulinaimânicas, Fulinaimagem.

 Ou: Sagarânica, Sagarínica, 

SagaraNagens. 

Numa nova edição do Dicionário do Aurélio, com certeza estes neologismos não poderiam faltar.

O seu último livro SagaraNAgens Fulinaímicas, como bem escreveu Tanussi Cardoso, é "um rio de palavras", que escorrem caudalosamente de sua escrita direto para o infinito do papel, e dele para as nossas indagações,  porque sua poesia impregnada de metáforas, não nos deixa em outros estado emocional a não ser se perguntar onde foi que encontrou tanta invenção poética.

em 2016 Artur Gomes, dirigiu o Curso de Artes Cênicas - O Espelho, no SESC Campos-RJ, com foco de pesquisa no Teatro do Absurdo de Fernando Arrabal, onde pretende até dezembro apresentar o espetáculo: A Nossa Casa É Um Teatro. Dirige também atualmente o Departamento de Áudio Visual do Proyecto Cultural Sur Brasil, instituição que desde 1996 realiza em Bento Gonçalves-RS o Congresso Brasileiro de Poesia.

foto: Welliton Rangel 

Artur Gomes – testemunho

poeta.ator.produtor cultural. diretor de teatro. cineasta.


eu venho da tipografia tradicional, onde para o ato de imprimir tínhamos que catar tipos. acredito que o meu fazer poético nasceu também dessa experiência que me acompanhou por 4 anos durante o ensino Fundamental na Escola Técnica Federal de Campos (hoje IFF), e por mais 20 anos, como linotipista na Oficina de Artes Gráficas da mesma Escola Técnica Federal de Campos.

Quando me compreendi poeta, e ao mesmo tempo sendo linotipista, aproveitei esse conhecimento para digitar na própria Linotipo os meus primeiros poemas, e imprimir em formato livro: Um Instante No Meu Cérebro - 1973.


Com o teatro, aprendi a trazer a palavra escrita para a oralidade, a Poesia Falada, e quando criei em 1983 o projeto Mostra Visual de Poesia Brasileira, o meu objetivo era já, trazer a poesia para as múltiplas plataformas possíveis para a sua comunicação com o outro.


Além das plataformas papel/corpo, levei um tempo imprimindo poesia em tecido, madeira, vidraças, muros, paredes, árvores, postes, e como disse Guimarães Rosa em Grande Sertão Veredas, a vida é etc, etc, etc...


Desde então utilizo das mais diversas possibilidades de linguagens onde possa estar com poesia, e isso me levou ao áudio visual, que é a extensão de tudo que já fiz, e tudo o que faço hoje tentando levar a Poesia aos mais ínfimos territórios do planeta.


 Campos ex-dos Goytacazes, 25 de novembro de 2016.



Até onde teus segredos me aceitam?
Até quando teus mistérios me pertencem?
Até onde teus silêncios tem meus gritos?
Quando me deixas aflito
Perco o chão por onde pisa
Por onde teu pé desliza
Que não sei quando ele está?
E se perco teus pés de mim
     Por onde vou caminhar?


Jura secreta 1

a língua escava entre os dentes
a palavra nova
fulinaimânica/sagarínica
algumas vezes muito prosa
outras vezes muito cínica

tudo o que quero conhecer:
a pele do teu nome
a segunda pele o sobrenome
no que posso no que quero

a pele em flor a flor da pele
a palavra dandi em corpo nua
a língua em fogo a língua crua
a língua nova a língua lua

fulinaímica/sagaranagem
palavra texto palavra imagem
quando no céu da tua boca
a língua viva se transmuta na viagem

Artur Gomes
do livro Juras Secretas
Editora Penalux - 2018


imagem: Felipe Stefani

 Campos ex-dos Goytacazes, 25 de novembro de 2016.

 


Com Os Dentes  Cravados na m

Memória 

Há algum tempo venho escrevendo alguns textos com este  título para contar um pouco da minha trajetória de andanças poéticas p0r  este país afora. Não sei se um dia isto vai se transforma em discurso memorialista, mas pelo menos vai servir para quem lê, entender que poesia se produz com vivências. 

Na ACL  Com Os Dentes Cravados na Memória, será um recital de poesia, com um passeio dos anos 80 para cá, com a poesia presente nos livros: Suor & Cio, Couro Cru & Carne Viva, CarNAvalha Gumes, BraziLírica Pereira: A Traição das Metáforas e SagaraNAgens Fulinaímicas. 

A idéia de transformar esse passeio poético em recital surge em setembro de 2016 quando em Bento Gonçalves-RS, na abertura do XXIV Congresso Brasileiro de Poesia é anunciado que serei um dos  poetas homenageados em 2017. 

Na ACL aceitando o convite do meu grande amigo Hélio de Freitas Coelho, pretendo além de falar meus poemas desse  período, prestar também a aminha homenagem ao meu grande amigo e poeta que partiu para outras esferas do planeta: Ferreira Gullar. 

Como há empos não tenho um encontro com o público de Campos, pretendo também bater um papo, sobre arte e poesia, linguagem,  dentro do que tenho produzido em minhas andanças, onde se inclui também o Audiovisual.

  

tecidos sobre a terra

 

Terra,
antes que alguém morra
escrevo prevendo a morte
arriscando a vida
antes que seja tarde
e que a língua
da minha boca
não cubra mais tua ferida

 

entre/aberto
em teus ofícios
é que meu peito de poeta
sangra ao corte das navalhas
e minha veia mais aberta
é mais um rio que se espalha

 

amada de muitos sonhos
e pouco sexo
deposito a minha boca no teu cio
e uma semente fértil
nos teus seios como um rio

o que me dói é ter-te
devorada por estranhos olhos
e deter impulsos por fidelidade

 

ó terra incestuosa
de prazer e gestos
não me prendo ao laço
dos teus comandantes
só me enterro à fundo
nos teus vagabundos
com um prazer de fera
e um punhal de amante

 

minha terra
é de senzalas tantas
enterra em ti
milhões de outras esperanças
soterra em teus grilhões
a voz que tenta – avança
plantada em ti
como canavial que a foice corta
mas cravado em ti
me ponho a luta
mesmo sabendo – o vão
estreito em cada porta

 

MOENDA

 

usina
mói a cana
o caldo e o bagaço

usina
mói o braço
a carne o osso

usina
mói o sangue
a fruta e o caroço

tritura suga torce
dos pés até o pescoço

 

e do alto da casa grande
os donos do engenho controlam
: o saldo e o lucro

Artur Gomes

FULINAÍMA MultiProjetos

 

https://www.facebook.com/studiofulinaima/videos/1236814616413456/?hc_ref=PAGES_TIMELINE

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