injúria secreta 2
o meu amor
não é um bicho
mas é um pássaro
afogado no lixo
Gigi Mocidade
foto: Artur Gomes
https://porradalirica.blogspot.com/
o vento zomba da carne
espanca a pele e a anca
rasga à navalha a pelanca
o vento zumbe na cara
e esbraveja no ouvido
esfarrapa à farpa a entranha
vento e ventre a grunhir
vazando a víscera vazia
a fome e a noite fria
Carolina Rieger
DE TEMER A MORTE
CARAVANA - Belo Horizonte - 2022
Aleppo
I
Havia sim um elo entre todos
Que não fossem de raça, credo ou origem
Respiravam o mesmo ar pesado de morte
Respiravam na dança macabra da fuligem
Sob botinas de couro e borracha o chão parecia de
nuvem
Fumaça para todos os lados entre corpos marcados,
anjos perdidos
Povos sem lar, sem rumo e sem norte
Dos restos da casa, o homem fardado fazia a guarda
Boneca de pano no canto dos móveis marcados,
quebrados, perdidos
Um dia ali dentro crianças brincavam de polícia e
bandido
Os tempos mudaram, não havia inocência ou vida
talvez
Um som estremece a cidade, os sobreviventes
entendem que começou tudo outra vez
Um quadro mal pendurado revela a família que um
dia foi feliz
Agora, despedaçada, mantém em seu seio quem
escapou por um triz
Nas ruas resta o concreto estraçalhado e o pó que
subiu
Das bombas que ali atingiram, a beleza e a vida, o
tudo sumiu
Na praça central da cidade cachorros vadios não
existem mais
A vida, o sopro e a brisa, a paz e o futuro
ficaram pra trás
Nas ruas, ruínas e gente sem esperança
Nas casas espalhavam-se corpos, velhos, adultos e
crianças
O som que se escuta na trégua é o silêncio
quebrado pelo choro baixinho
Carregado de dor e descaso, de morte e abandono,
sem paz, sem carinho.
A bela cidade florida deu lugar ao inferno sem nem
avisar
Famílias inteiras em trapos, tentando fugir pra
outro lugar
Em barcos de ar e esperança encontram a morte nas
margens do mar.
II
– Vês? Nada resta!
Chora a menina, olhando na fresta
Vestido de bolinhas rasgado nas mangas
Dois passos pra fora, vem a escuridão
Um soldado armado caminha ileso
Sem um arranhão
Do lado de dentro não há nem telhado
Se ainda houvesse chuva, tudo estaria molhado
Mas até a chuva se refugiou em outras bandas
O prédio é ruína, nem lembra o passado
A praça perdida fica lá do outro lado
Não há mais crianças pra brincar de castelo de
areia
Celebra um homem com um bote inflável de
contrabando
Exibe o peito aberto, caminha mancando
Seu rosto encontra o chão antes do corpo encontrar
a porta
No lugar das pipas, os meninos contam mísseis
Eles sabem que a queda encerra dias difíceis
Já não há mais vagas no cemitério
À noite, cansada, a criança não conta mais
carneirinhos
Conta estouros, bombas, barulhos de bala
E dorme sem saber se vai acordar outra vez
Um estampido à curta distância e o pai corre pro
berço
A criança ainda respira, sem marcas ou feridas
Ajoelhado, ele fala baixinho – eu agradeço
Ela levanta os bracinhos pra se render
Nem sabe bem o que significa
Mas sabe que ainda pode morrer
III
Já houve tempo de paz, há muito esquecida
Pessoas como eu e você, vagando em ruas em ruínas
Sua vida, sua história, perspectiva perdida
Um corte na alma, o corpo exibe a ferida
Já houve, no passado, alegria e progresso
Do futuro brilhante, restou o regresso
À selvageria, ao ódio e ao caos
Em tempos de guerra, o ódio é réu confesso
O barulho das bombas interrompe o silêncio
Da terra arrasada desprovida de sorte
Nas ruas, ruínas não contam histórias
Nas manchas de sangue, um rastro de morte
Passado é o tempo de um dia feliz
Crianças cresciam em paz e união
Na guerra o ódio não se contradiz
Nas ruas e esquinas a marca profunda da destruição
No campo de guerra não tem aliado
Tem homens buscando alimento e proteção
Família escondida, futuro dilacerado
A vida e a esperança sem rumo caindo ao chão
Os canteiros floridos dão lugar aos cartuchos de
balas
As escolas tomadas de poeira e vazio
Não há mais ensino nas salas de aulas
Acordam sabendo que a vida está por um fio
IV
Um dia, quem sabe, tudo volta ao normal
Terá se passado uma era talvez
A vida findada tal qual vendaval
O barulho da bomba revela tudo outra vez
A esperança veste luto onde um dia foi vida
Vida? Não restam mais dúvidas da história perdida!
Logram vitória como se fosse possível
O sangue escorrido do povo invisível
Família, o que sobra, vira refugiada
Em terra estranha porque a sua foi arrasada
V
Bum
O zumbido no ouvido deixa marca profunda
Bum
A mãe pega o filho e se esconde no quarto
Bum
A parede desaba com um novo impacto
Bum
Entre tijolos encontram a mão da criança
Bum
Não nascem mais flores em nenhum jardim
Bum
A vida, entre balas, chegou ao fim
VI
Era eu apenas uma garotinha
Cabelos ao vento, vestido de bolinha
Nas ruas da cidade, traçava meu trajeto
Da escola à minha casa não era traço reto
Cruzava ruas e avenidas
Todo mundo trabalhava, cuidava de sua vida
Eu gostava de aventuras, no mercado me escondia
Vivíamos tempos doce, de paz à noite, vida ao dia
Até que a guerra a nós chegou
Pouca gente entende ao certo como tudo começou
Bala e bomba toda hora
Ajoelhada, a mãe à vida implora
Sob o pó pela bomba levantado
Jaz o corpo de mais um pobre-coitado
Fardado, o menino não entende
Todo o ódio que à arma agora o prende
Acordamos todo dia sem saber pra onde ir
Papai um dia disse que a nós resta fugir
Mas quem somos nós nesse mundo sem fim?
A história aniquila a esperança e termina assim
Depois de muito tempo, nos unimos aos conterrâneos
Fugimos de barco e encontramos a morte no
Mediterrâneo
VII
Ela chora baixinho ao lado do corpo da mãe
O pai foi pra guerra e ela sabe que ele não volta
mais
O irmão soterrado não pede socorro
Sozinha no quarto espera o milagre que não virá
O zumbido no céu e a esperança
“Será essa a bomba que vai me matar?”
Nos sonhos inocentes tem um jardim pra brincar
Pela janela só restam ruínas, a vida parou
Não há mais futuro, o país acabou
Sai solitária com a boneca na mão
O tiro, perdido, acerta o coração
Ela, enfim, encontra a paz
VIII
As lápides sem nomes fazem fila
Nem todo mundo será encontrado
Nem mesmo inocentes terão funeral
A guerra não mata apenas vidas
Mas aniquila dignidades
Histórias interrompidas por pura maldade
A guerra há de acabar por falta de gente para matar
*Aleppo é a segunda maior cidade da Síria. Já
considerada uma das cidades mais bonitas do mundo, foi completamente destruída
na guerra.
Sobre a Autora
Maya Falks começou
a escrever muito cedo, aos 3 anos ditava histórias pra minha mãe. Aos 24
escreveu seu primeiro romance adulto, que veio a ser publicado 8 anos depois.
Nessa mesma idade, ganhou seu primeiro prêmio. Atualmente tem 4 livros
publicados, diversos projetos em andamento e 21 prêmios entre contos, crônicas
e poesias. Maya Falks é graduada em publicidade e propaganda, especialista em
marketing e graduanda de jornalismo. Atua profissionalmente com redação
publicitária e roteiro. O poema “Aleppo” integra o conjunto de textos do livro
Poemas Para Ler No Front.
somos todos pornográficos
teu corpo
é carne de manga
em meu pênis viril
enquanto sangra
quando beijo tu boca
enfurecido
rasgando por trás
o teu vestido
EuGênio Mallarmè
https://personasarturianas.blogspot.com/
jura secreta 101
tem dias que o amor
é incêndio
arde queima devora
tem dias que é só
mansidão calmaria
como agora
Artur Gomes Fulinaíma
leia mais em
https://braziliricapereira.blogspot.com/
antropofagia
esse poema é um tratado
entre o poeta que tem fome de clareza
e sua musa simbolismo de beleza
se eu não beber teus olhos
não serei eu nem mais ninguém
disse o poeta a sua musa ainda esfinge
beber na fonte dos seus olhos
sem medo de ser feliz
ela completa
não quero poema em linha reta
ainda sou clarice/beatriz
é ela quem me diz
mas eu não sou discreto
no abstrato do concreto
no concreto do abstrato
todo homem que tem fome
abapuru é o teu auto-retrato
Artur Gomes Gomes
Itabapoana Pedra Pássaro Poema
https://porradalirica.blogspot.com
MAR ABERTO
Naquele dia
em que você me puxou
pelo braço
com força
para cima
eu já não respirava.
Michaela v. Schmaedel
dia de sol
de chuva
aqui dentro
já não sei
a previsão
é sempre incerta
mudança
é a única certeza
que me cabe
Renata Magliano
Trinta e Cinco Pausas
https://www.instagram.com/re.magliano/
PRONOME
crianças correm descalças
escorre seiva ainda
calçadas desertas
e inquietas
ruas incertas e tortas
lua antes ungida
ora proibida
ora pro nobis
sem nome choram
sem normas coram
carolas frígidas
até que o dia clareie
até que a noite a lua leve
até amanhã, talvez
Marcelo Brettas
In florestas imaginárias
despautério de torquália
nada demais
se o muro é pintado de verde
não sei se ainda quero ver-te
neste país do carnaval
lírico demais
se os planos são enganos
para mim tanto faz
as perdas e os danos
eu sou como sou: vidente
e vivo tranquilamente
todas as horas do fim
se o poeta é um anjo torto
a tarde já nos traz
o corpo de um outro morto
agora não se fala mais
toda palavra é uma cilada
o início pode ser o fim
do começo que não deu em nada
eu sou como sou: vidente
e vivo tranquilamente
todas as horas do fim
nada de mais
se quiserem roer o osso
já não estou nem aí
como geleia até o pescoço
nada de mais
se a palavra é precipício
o que fica tanto faz
a poesia já não corre risco
Herbert Valente de Oliveira
leia mais no blog
https://fulinaimacarnavalhagumes.blogspot.com/
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