domingo, 14 de abril de 2024

múltiplas poéticas

Mostra Visual De Poesia Brasileira

Múltiplas Poéticas – Poesia Em Movimento – Varal de Poesia – Dia 18 junho 19h – Foyer do Teatro Trianon – Campos dos Goytacazes-RJ

Sarau Campos VeraCidade

*


PARA UM NEGRO

para um negro
a cor da pele
é uma sombra
muitas vezes mais forte
que um soco.

para um negro
a cor da pele
é uma faca
que atinge
muito mais em cheio
o coração.

Adão Ventura

Sentença

faz muito tempo que eu venho
nos currais deste comício,
dando mingau de farinha
pra mesma dor que me alinha
ao lamaçal do hospício.
e quem me cansa as canelas
é quem me rouba a cadeira,
eu sou quem surfa no trilho
e ainda paga passagem,
eu sou um número ímpar
só pra sobrar na contagem.

por outro lado em meu corpo,
há uma parte que insiste,
feito um caju que apodrece
mas a castanha resiste,
eu tenho os olhos na espreita
e os bolsos cheios de pedras,
eu sou quem não se conforma
com a sentença ou desfeita,
eu sou quem bagunça a norma,
eu sou quem morre e não deita.

Salgado Maranhão
Do Livro A Cor da Palavra
Prêmio da Academia Brasileira de Letras - 2011

*

Let's Play That

quando eu nasci
um anjo louco muito louco
veio ler a minha mão
não era um anjo barroco
era um anjo muito louco, torto
com asas de avião

eis que esse anjo me disse
apertando minha mão
com um sorriso entre dentes
vai bicho desafinar
o coro dos contentes
vai bicho desafinar
o coro dos contentes
let's play that

Torquato Neto


*

Além de mim

Quero apenas
Além de mim, quero apenas
essa tranqüilidade de campos de flores
e este gesto impreciso
recompondo a infância.

Além de mim
– e entre mim e meu deserto –
quero apenas silêncio,
cúmplice absoluto de meu verso,
tecendo a teia do vestígio
com cuidado de aranha.

                 Olga Savary

Amavisse
Como se te perdesse, assim te quero.
Como se não te visse (favas douradas
Sob um amarelo) assim te apreendo brusco
Inamovível, e te respiro inteiro

Um arco-íris de ar em águas profundas.

Como se tudo o mais me permitisses,
A mim me fotografo nuns portões de ferro
Ocres, altos, e eu mesma diluída e mínima
No dissoluto de toda despedida.

Como se te perdesse nos trens, nas estações
Ou contornando um círculo de águas
Removente ave, assim te somo a mim:
De redes e de anseios inundada.

Hilda Hilst

Memória

Em meu dedo
o teu dedal

(tento, mãe
costurar tua memória
prender-te ao que me resta)

Incertos pontos
que a vista embaçada
não deixa urdir

Dalila Teles Veras

NA GARGANTA

Se me perguntares outra vez porque escrevo
gritarei contigo todo o meu poema reduzido:
Escrevo porque preciso
– tenho a alma entalada na garganta
e um coração refém dos meus ouvidos –
isso é tudo.

Nic Cardeal

Ao teu lado


toda a história do amor:
acordar ao teu lado
de bruços
a penugem das costas, em remoinho
(e esta ave nascida bem no meio das hastes
das duas pontas de faca

Mar Becker
das omoplatas)

ARTUR GOMES DE NOVO

Já deixei escrito em algum canto deste meu blog a admiração que tenho pelo poeta ARTUR GOMES, sem dúvidas hoje o grande nome da poesia alternativa brasileira. O Cd dele “Fulinaíma Sax, Blues & Poesia”, já gastou de tanto que rodou aqui em casa. Há muitos anos venho ouvindo belíssimos poemas ditos por ele, seja no Congresso Brasileiro de Poesia, no bar da esquina do SESC ou mesmo aqui em casa, nas vezes em que ele está em Bento Gonçalves e nos damos o prazer de conversar inúmeras garrafas de vinho e uma picanha no disco.
Gosto de muitos, mas este poema é, sem dúvidas, o meu preferido:

Ademir Bacca

Alucinações Interpo(É)ticas

o que é que mora em tua boca Bia?
um deus um anjo ou muitos dentes claros
como os olhos do diabo
e um a estrela como guia?
o que é que arde em tua boca Bia?
azeite sal pimenta e alho
réstias de cebola
um cheiro azedo de cozinha
tua boca é como a minha?
o que é que pulsa em tua boca Bia?
mar de eternas ondas
que covardes não navegam
rios de águas sujas
onde os peixes se apagam
ou um fogo cada vez mais Dante
como este em minha boca
de poeta delirante
nesta noite cada vez mais dia
em que acendo os meus infernos
em tua boca Bia?

© ARTUR GOMES

Leia mais no blog

https://arturgomesgumes.blogspot.com/


Uma didática da invenção

O rio que fazia uma volta
atrás da nossa casa
era a imagem de um vidro mole...

Passou um homem e disse:
Essa volta que o rio faz...
se chama enseada...

Não era mais a imagem de uma cobra de vidro
que fazia uma volta atrás da casa.
Era uma enseada.
Acho que o nome empobreceu a imagem.

Manoel de Barros

                  um quarteto de passos

( pós - Torquato )

primeiro passo
desocupar rápido
esse espaço.

não há como
se virar.

encaixotados
germinam
tumores.

segundo passo
invadir vasto
teu corpo -
ócio
vazio ósseo.

não há poesia
se faltar.

a feliCidade é
uma fábrica
de horrores.

terceiro passo
sentir tátil
a físsil
forma fóssil
do salto.

não há como
se calar.

escorrem
gritos
das gretas.

quarto passo
coma meus
olhos
esqueça.

garbo gomes


Intertexto:
Poemas
Torquato Neto

Arte :
Jean Michel
Basquiat
Stardust
( 1983 )

Leia mais no blog

https://fulinaimatupiniquim.blogspot.com/

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