segunda-feira, 15 de abril de 2024

múltiplas poéticas


"anti-humano"

 

anti-homem-primeiro de abril,

homem cano, homem-milícia,

homem dano, homem-perícia,

homem ufano, homem-sevícia,

homem tirano, homem-polícia,

homem insano, homem-notícia,

homem engano, homem-malícia,

homem garrano, homem-inscícia,

homem profano, homem-icterícia,

homem miliciano, homem-puerícia,

homem palaciano, homem-sordícia,

homem inumano, homem-espurcícia,

homem americano, homem-imundícia,

homem antiafricano, homem-iniquícia,

peixes verdes, azuis e amarelos,

indóceis e insipientes, através

da névoa entoam seu nome:

homem psicopata, homem-arminha,

homem-aparência, homem-catástrofe.

esse anti-homem, armado

até os dentes, esvazia

qualquer poema.

*

by Ziul Serip, in "Olhar de Guernica" [inédito]



QUE PAÍS É ESTE?

Fragmento

 

Universidade Livre de Alvito

(Afonso Romano de Sant'Anna)

 

1

Uma coisa é um país,

outra um ajuntamento.

Uma coisa é um país,

outra um regimento.

Uma coisa é um país,

outra o confinamento.

 

Mas já soube datas, guerras, estátuas

usei caderno “Avante”

— e desfilei de tênis para o ditador.

Vinha de um “berço esplêndido” para um “futuro radioso”

e éramos maiores em tudo

— discursando rios e pretensão.

 

Uma coisa é um país,

outra um fingimento.

Uma coisa é um país,

outra um monumento.

Uma coisa é um país,

outra o aviltamento.

 

Deveria derribar aflitos mapas sobre a praça

em busca da especiosa raiz? ou deveria

parar de ler jornais

e ler anais

como anal

animal

hiena patética

na merda nacional?

 

Ou deveria, enfim, jejuar na Torre do Tombo

comendo o que as traças descomem

procurando

o Quinto Império, o primeiro portulano, a viciosa visão do paraíso

que nos impeliu a errar aqui?

 

Subo, de joelhos, as escadas dos arquivos

nacionais, como qualquer santo barroco

a rebuscar

no mofo dos papiros, no bolor

das pias batismais, no bodum das vestes reais

a ver o que se salvou com o tempo

e ao mesmo tempo

– nos trai

 

2

Há 500 anos caçamos índios e operários,

há 500 anos queimamos árvores e hereges,

há 500 anos estupramos livros e mulheres,

há 500 anos sugamos negras e aluguéis.

Há 500 anos dizemos:

 

que o futuro a Deus pertence,

que Deus nasceu na Bahia,

que São Jorge é que é guerreiro,

que do amanhã ninguém sabe,

que conosco ninguém pode,

que quem não pode sacode.

 

Há 500 anos somos pretos de alma branca,

não somos nada violentos,

quem espera sempre alcança

e quem não chora não mama

ou quem tem padrinho vivo

não morre nunca pagão.

 

Há 500 anos propalamos:

este é o país do futuro,

antes tarde do que nunca,

mais vale quem Deus ajuda

e a Europa ainda se curva.

 

Há 500 anos

somos raposas verdes

colhendo uvas com os olhos,

semeamos promessa e vento

com tempestades na boca,

sonhamos a paz da Suécia

com suíças militares,

vendemos siris na estrada

e papagaios em Haia,

nada nada congemina:

a senzalamos casas-grandes

e sobradamos mocambos,

bebemos cachaça e brahma

joaquim silvério e derrama,

a polícia nos dispersa

e o futebol nos conclama,

cantamos salve-rainhas

e salve-se quem puder,

pois Jesus Cristo nos mata

num carnaval de mulatas.

 

Este é um país de síndicos em geral

este é um país de cínicos em geral

este é um país de civis e generais.

Este é o país do descontínuo

onde nada congemina

e somos índios perdidos

na eletrônica oficina

Nada nada congemina:

 

a mão leve do político

com nossa dura rotina,

o salário que nos come e

nossa sede canina,

e a esperança que emparedam

a nossa fé em ruína,

placidez desses santos

e a nossa dor peregrina,

e nesse mundo às avessas

– a cor da noite é obsclara

e a claridez, vespertina.




antLírica

 

eu não sou zen

muito menos zhô

nem tão pouco zapa

nem ando na contracapa

do teu disquinho digital

 

não alinho pela esquerda

nem à direita do fonema

voo no centro/viagem

olho rasante/miragem

veia pulsante/poema

 

Artur Gomes

Brazilírica Pereira : A Traição das Metáforas - Alpharrábio – Edições 2000



OLHAR YANOMÂMI

 

o yanomâmi traz consigo

em seu olhar de ser digno

o mistério da verde relva

no vento um vivo da selva

um yanomâmi tem o foco

fixo não perdido, é luz

transvestida de fluxo e paz

te olha rindo: sabe o que faz

o yanomâmi um ser divino

humano em desenhos gráficos

de corpo alma rios matas

andarilhos de pés descalços

o que ofende no yanomâmi

é seu olhar doce de frieza

nada a dar e tudo imaginar

nem tão feliz nem vã tristeza

faróis de uma floresta densa

brilham olhos luminares

yanomâmis não são lendas

são irmãos...familiares

há algo de muito espúrio

na invasão garimpeira

contaminação de mercúrio

contrabando de madeira

como é possível um povo

tão integrado à selva e belo

viver no desassossego de

mortes fomes flagelos

defendo-os com minha flecha

força do punho em negra tinta

nos acordes do meu instrumento

canto o grito: yanomâmi é vida

 

Luis Turiba

Rio de Janeiro-RJ

https://fulinaimacentrodearte.blogspot.com/


antropomágica

 

a primeira vez

foi um primeiro beijo então roubado

ali já ficou sacramentado em tropicália

o que iríamos desvendar

por entre cinzas nos currais

nas aldeias, ocas, nas taperas

por quantas Eras iríamos encontrar

 

agora como  pa/lavro outras amoras

plantei tuas sementes

no quintal da estação três cinco três

os frutos colherei junto ao teu nome

da tua carne comerei mais uma vez

 

Artur Gomes Gumes 


aonde vai cinzia farina

toda vestida de letras

como quem grafita na areia

um espelho d´água

à beira mar na lua cheia?

 

Federico Baudelaire


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